Um dia eu levei o Morgado da Vila para um almoço com um amigo na Mocellin Steak. Muita gente estranha a presença de um vinho branco na mesa de uma churrascaria, acreditando que só os tintos cabem numa refeição em casas do tipo. Pensam que um Malbec argentino é a escolha certeira nesses casos. Desde que tenha acidez, um álcool equilibrado e uma fruta presente, com discreta madeira, caso se utilize carvalho na elaboração, é bem verdade que esta uva faz sentido na combinação com carnes com certo teor de gordura, como um ancho ou um bife de chorizo.
Mas a verdade é que boa parte do menu tradicional de restaurantes carnívoros assim é dedicada aos cortes de porco, e a embutidos e miúdos, como corações de galinha (ou de pato, que andam na moda) e mollejas. Iguarias que, inclusive, pedem umas gotas de limão pra cortar a gordura e elevar o sabor, trazendo frescor e suculência à boca.
Para quem pede linguiças de todos os tipos, costelinhas de porco, e aves, desde galetos e codornas até patos e os mais distintos cortes de frango ou galinha, incluindo vísceras, cartilagens e a pele (são muito populares em casas japonesas), a melhor escolha vão ser brancos, que podem ser dos mais leves aos mais untuosos, porque neste caso o que queremos é a acidez, o frescor e alguma exuberância aromática. O que se busca é o equilíbrio, algo que não atropele a comida, o que os tintos mais encorpados fazem sem dó nem piedade.
Com o passar dos anos, passei a apostar nos brancos para começar uma refeição em uma churrascaria. Então, voltando ao início dessa prosa, relembro a visita à Mocellin Steak.
O restaurante, que traz o DNA do Porcão, tem boas linguiças, mas o grande destaque do menu suíno da casa é o matambre e – principalmente – a marcante costelinha de porco à pururuca, um corte raro de se ver, que pega os ossinhos e considerável parte de carne, que vai até a pele, se mostrando um corte alto, com várias texturas e cores, distintas proporções de gordura, e muitas camadas de sabor. A pele fica crocante, e o resultado envolve suculência e crocância, e profundo prazer. Uma peça vistosa, que chama a atenção no salão, pela sua própria beleza, e também pelo barulho que faz.
Naquela tarde de outono sugeri ao amigo Gilton Leite, sommelier da Mocellin Steak, que provasse o Morgado da Vila, então da safra 2020, com os dois cortes de porco. Ele, como eu já imaginava, adorou o resultado, e colocou o vinho na carta.
O mesmo se passou há algumas semanas, quando pedi uma porção de costelinha de porco como aperitivo no Esplanada Grill, essa lendária steak house de Ipanema, onde sou feliz desde o final dos anos 1980, quando passei a frequentá-la.
No prato, forrei com a farofa de bacon que integra o couvert. Usei o limão que foi servido com a carne. E, de vez em quando, agreguei um pouco de aioli da casa e chimichurri, que também são servidos ali como acompanhamento das carnes.
É aquela combinação certeira, infalível, e que se torna marcante. O vinho tem notas de limão siciliano, gengibre e pimenta branca, que tão bem complementam o sabor do porco, com notas florais, lembrando flor de laranjeira. A acidez equilibra a gordura, limpando a boca, e pedindo novos goles e garfadas. Existem sutis notas amanteigadas no vinho, que realçam a untuosidade da carne. Mesmo ligeiramente encorpado, o vinho mostra leveza e frescor, e entrega assim desse modo elevado prazer.
Assim, no libidinoso altar das delícias, encontramos a glória neste balé apresentado neste casamento certeiro entre o Vinho Verde e a carne de porco.
Resultado? O vinho entrou pra carta do Esplanada Grill. E você, assim como eu, pode viver essa alegria, esse momento divino, essa fantasia gastronômica que no Brasil chamamos de harmonização. Eu prefiro o termo da língua espanhola: “maridaje”, ou seja, casamento.