O estrogonofe da Dona Irene, o restaurante russo que é resultado de uma saga

O estrogonofe, um dos pratos mais pedidos no restaurante russo inaugurado em 1964 – Foto de Bruno Agostini®
DONA IRENE: A BIOGRAFIA DE UM RESTAURANTE E O SEU ESTROGONFE*
Estava adiando o inevitável retorno ao restaurante Dona Irene há algum tempo. Desde que morreu o Hisbello, ano passado. Mas uma revista me encomendou uma reportagem, e achei que deveria ir ver como estão as coisas (parte do texto, eu publico abaixo, e no final deixo o link para a matéria completa). Meu amigo faz muita falta, mas fora a falta dele, as coisas continuam iguais, e o banquete, sublime. A sequência de pratos digna de czar me emociona desde muito menino. E não é difícil achar textos meus sobre este lugar com incrível História. Não vou me alongar.
Este #tbt é uma homenagem.
Frequento esta casa desde criança, e pedia sempre o estrogonofe. Por isso, foi a minha escolha há duas semanas atrás. Hoje, esta receita é o destaque da coluna Retrato de um Prato, deste site Menu Agostini, sempre publicado às quintas. Deixo um link para quando a receita já foi tema desta coluna, em 30/4/2020.
* Este post foi publicado no Instagram @brunoagostinifoto
DA SIBÉRIA A TERESÓPOLIS, NUM ROTEIRO CINEMATOGRÁFICO ENVOLVENDO O ÚLTIMO DOS CZARES, MAO TSÉ-TUNG E O GOLPE MILITAR NO BRASIL
A vida do casal Mikhail Flegontovich Smolianikoff  e Eupraxia Wladimirovna Smolianikoff foi uma grande aventura. Tudo começa em 1917, quando ele era capitão do exército czarista, na Sibéria. Foi expulso de seu país com a Revolução Russa. O casal atravessou o deserto de Gobi a pé e chegou até a China. Prosperaram, fazendo negócios com couro. Mas, então, em 1949 outro episódio histórico afetou Miguel e Irene, como vieram a ser conhecidos no Brasil, muitos anos depois. Sim, a Revolução Chinesa de MaoTsé-Tung. Cruzaram o mundo. Com muitas paradas no caminho. Chegaram a Teresópolis.
Hisbello, em sua festa de 90 anos – Reprodução do Facebook do restaurante (https://www.facebook.com/restaurantedonairene)
Então, em 1964, vem o Golpe Militar no Brasil. Com poucos recursos, Eupraxia passou a cozinhar algumas de suas especialidades para vender, como os pirozhkis, fofos bolinhos fritos de carne moída. Seus vizinhos, Maria Emília e Hisbello Campos, começaram a ajudar a levar clientes do Rio, em pequenos grupos. A casa dos dois siberianos acabou virando um restaurante informal, que logo ganhou fama, essa que reverbera até hoje. Os brasileiros ficaram sócios dos russos, que morreram entre os anos 1980 e 1990. Ano passado, foi Hisbello que nos deixou.  Mas Maria Emília, com quase 90 anos, continua firne e forte à frente da casa, ao lado da filha, Ângela.
A técnica também é usada nas cozinhas do Leste Europeu, no caso, o frango à Kiev, do restaurante Dona Irene – Foto de Bruno Agostini®
Desde 1964 seu menu de preço único foi sendo refinado ao longo dos anos. É uma refeição que deve ser apreciada com muita calma, num ritual com pelo menos duas horas de duração.
É importante fazer a reserva por telefone, quando geralmente já se escolhe o prato principal, que pode ser um estrogonofe, um varênique ou um frango à Kiev, os três pratos mais famosos da casa. Mas há outras opções, como o pojarski (uma almôndega de frango com gorgonzola) e o caquille (uma espécie de suflê de peixe), entre outras (poucas) receitas. Mas, antes deles chegarem, ainda há um longo e saboroso caminho, que começa com um copinho de vodca, que é produzida ali mesmo por Maria Emília, seguindo receita de Irene.
O destilado caseiro é mesmo indispensável, e quem quiser pode pedir uma garrafinha extra, cobrada à parte, servida envolta em pedra de gelo, e até levar um exemplar para casa. Nazdarovia é o nome da vodca, que tão bem acompanha a primeira rodada da refeição, um verdadeiro banquete digno de czar.
Arenque a la creme, ovos e ovas, vodca caseira, salada de beterraba, salmão defumado: os zakuskis estão na mesa – Foto de Bruno Agostini®
São os chamados zakuskis, algo entre 10 e 12 pratinhos frios, com apresentação delicada, passando por uma imensa gama de sabores, cores e texturas, incluindo a bonita louça. Além de delicioso, o serviço é bonito. Há arenques à la creme e salmão defumado, ovo cozido com ovas, mousse de alho e patê de fígado, compotas agridoces, com a de berinjela, e saladas, como a russa, obviamente, e a de ovos com rabanete, em formato de flor, além de outras preparações, que podem variar um pouco de um dia para o outro.
O calmo ritual continua, e a coisa começa a esquentar, literalmente, quando vem a segunda rodada, com asinhas de frango crocantes de carne tenra e ramequins, geralmente um preparo com berinjela, molho de tomate e queijo, além de outras receitas finalizadas no forno bem quente, como suflês e gratinados, que chegam à mesa fumegantes.
Os bolinhos de carne e a sopa de beterraba são o terceiro serviço do banquete – Foto de Bruno Agostini®
Daí, vem um dos grandes momentos: os pirozhkis que deram origem ao restaurante, lá em 1964. Ao lado dos bolinhos, uma xícara de sopa, dessas com duas asas, com um vermelho vivo de beterraba: é o borscht, um clássico da culinária judaica do Leste Europeu. A graça é molhar os bolinho no caldo rico e perfumado, quem sabe com gotas de pimentas, que tornam tudo ainda mais quentinho e acolhedor.
É possível até que a esta altura você nem tenha mais fome. Mas, como resistir aos pratos, sempre fartos? Tipo o estrogonofe que segue a receita original, sem ketchup, e usando uma versão caseira do smetana, uma espécie de creme azedo, popular na Rússia, que deixa o prato mais leve e com sabor mais delicado do que as natas. Ou os varêniques, mais um preparo de raízes judaicas, que são pequenos pastéis recheados com uma espécie de purê de batatas com ervas acompanhados de escalopinhos de filé mignon grelhados e cebolinhas empanadas. E que tal o frango que carrega o nome da capital ucraniana, assunto tão falado no momento, uma sobrecoxa desossada, mas empanada com o osso aparente, recheada com manteiga e guarnecida com fritas – cuidado para que o líquido interno não suje a sua roupa, porque pode esguichar.
Mesmo que não haja mais muita ou nenhuma vontade de comer, não se pode deixar de pedir a sobremesa mais famosa do lugar, que é cobrada à parte: trata-se do supremo de chocolate com nozes, uma espécie de torta gelada, que merece o nome que carrega, e encerra a refeição, de fato, de modo soberano, assim como era o Nicolau II — o último dos czares – cuja derrubada deu origem a essa História, com agá maiúsculo. Dona Irene é resultado de uma saga.
Reprodução
Para ler a matéria completa sobre restaurantes na Região Serrana, clique no link abaixo:
– O maravilhoso sabor do inverno
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