Eu até poderia ir embora do Mitsubá, logo depois da saladinha muito bem cortada e temperada, que seria a minha terceira etapa do almoço.
Mas o Nakahara sugeriu servir o seu omakasê, que estava especial naquele dia. Quando ele está lá, acho que sempre está.
Mas quem sou eu para contrariar alguém que tem uma faca há 25 anos, e cuida pessoalmente de afiá-la com regularidade.
– Por favor, chef. Prepare o que quiser, não tenho restrições.
Se você não confia num cozinheiro, melhor nem sair para comer, certo?
Omakasê, em japonês, significa “deixarei por sua conta”.
É o menu escolhido pelo chef, de acordo com o que há de melhor do dia, mas sempre perguntando gentilmente se a pessoa tem restrições. Sinal verde é o que eles mais gostam.
Quando eu me sentei no Mitsubá há alguns dias, num almoço de sexta, escolhi ficar perto do balcão.
Nakahara é um itamae experiente. E poder falar com ele é sempre uma oportunidade de aprender um pouco sobre a cozinha japonesa.
Naquela tarde ele estava mais inspirado do que nunca. Me mandou uma sequência de pratos desconcertante, com destaque para as rodadas finais, de nigiris de alta categoria, o especial do espacial, a nobreza da nobreza. Cortes precisos, valorizando ora a textura da pele ora a untuosidade da carne, adornando peça a peça com seus temperos ideias, na medida adequada para que o equilíbrio se estabeleça, de modo a fazer o elemento principal brilhar.
Foi um desfile da mais pura linhagem dos grandes profissionais deste ofício, à qual Nakahara pertence.
Além de tudo, na sexta, a gente sabe, sempre chega muita coisa, para abastecer o fim de semana. Especialmente em lugares que dependem dos peixes e frutos do mar. Do mesmo modo que, em linhas gerais, segunda é o pior dia para tal, porque ainda pode não ter chegado nada – e você vai pegar a xepa do abastecimento de sexta, para pescados isso não é muito bom.
Pode ser só impressão, mas acho que aquela sexta estava especialmente especial. Até porque, além do mais, no inverno geralmente temos os melhores pescados do ano, com peixes e frutos do mar mais gordos, untuosos e saborosos, com mais espécies que fazem migrações e só aparecem neste época do ano. Prato cheio para alguém como mestre Nakahara.
Primeiro, mandou uma berinjela no missô. Era só para dizer oi, como que se me acomodasse no tatame.
Depois, no prato azul da cor do mar, um uzussukuri translúcido, de extrema delicadeza, muito fino, de modo que dava para enxergar a louça bonita.
Em seguida, uma saladinha bem cortada e temperada, com ovo e kani, tudo muito delicado e saboroso – aquela que citei. Meio que para limpar o paladar.
A seguir…
Serviços seguidos de sushis impecáveis e variados, tanto no tipo de peixe quanto na montagem.
Logo chegou um quinteto de boas-vindas, que já foi algo do mais alto nível, um tipo de curso que poderia finalizar um grande jantar.
Mas era só o início.
Ele trazia lula gigante, vieiras de Hokkaido, pargo com cítricos, olhete e o-toro.
Aqui, um necessário e operístico Intermezzo, para retomar o fôlego. Se tem uma coisa absolutamente reconfortante dentro de um menu japonês, ainda mais que um bom lámen, é o chawan mushi, indescritível. Mas é meio assim, um pudim salgado, cheio de umami, recheado com cogumelos e camarões, com um fundo de pote que é quase uma calda caramelizada, mas com o teor exato de acidez e sal, para chegar ao ponto perfeito de um caldo sensível e poderoso, que deixa seu rastro de sabor na língua por um tempo, e na memória para sempre.
A segunda etapa – sempre nas cerâmicas que valorizam a estética de cada peça servida – veio com seis excelências: xerelete, sardinha, faqueco, ouriço e chu-toro de Blue Fin, assim como o anterior.
A seguir, unagui? Sim, e não, disse o chef, mais ou menos assim.
– Fazemos aqui, imitando o processo da enguia japonesa, mas usamos o mapará, um peixe amazônico – explica o chef.
O resultado é muito próximo do original, com a vantagem de ter sido feito ali, com eles acompanhando todo o processo, o que é uma vantagem quando o assunto é comida. Fazer em casa as coisas geralmente dá bons resultados.
Além deste unagui amazônico, havia no prato um sushi de barbata de linguado, sublime, e muito interessante comparar com o primeiro linguado: este tinha sabor muito mais presente, com carne mais gorda. Havia, ainda, outra montagem, esta com ovas de bacalhau, um momento sempre especial comer essa iguaria rara e cara, não muito fácil de se achar. É mesmo fora-de-série.
Confesso que nem pedi sobremesa, não.
Preciso destacar algumas desses joias montadas sobre o shari delicado da casa: pargo, sardinha, faqueco o-toro e shu-toro.
Além dos cortes precisos de cada peixe, valorizando o melhor de cada peça, e usando o tempero exato, na medida correta.
O faqueco, vai por mim, é dos melhores peixes de nossa costa, e é baratíssimo. (Acompanhe o trabalho que faz o chef Jerônimo Athuel, do Ocyá: para saber mais, clique aqui).
Não citei o nosso mapará porque gostaria de colocá-lo em lugar à parte: fiquei muito impressionado com este preparo, que já havia provado antes, no início do ano, em tarde memorável com Breno Naar, quando Nakahara também estava inspirado. Sabe por que? Porque ele sempre está inspirado.
Arigato gozaimasu.
SERVIÇO
Mitsubá: Rio Design Leblon (subsolo), Avenida Ataulfo de Paiva 270, Leblon. Tel. 2264-1232. restaurantemitsuba.com.br
Mitsubá: Rio Design Leblon (subsolo), Avenida Ataulfo de Paiva 270, Leblon. Tel. 2264-1232. restaurantemitsuba.com.br
2 commentários
Essa foto da beringela não é com missô nao…engano seu.
Você está certo, escrevi para o Homero para perguntar, obrigado pela correção, vou ajeitar no texto.