Foi com grande curiosidade que provei, há uns quatro anos, o Terrantez do Pico, produzido por António Maçanita.
Primeiro, porque já tinha lido algo sobre o grande talento deste enólogo português.
E o vinho em questão era um branco (adoro!), produzido com uma uva que tem fama de especial na Ilha da Madeira, onde existe a máxima: “As uvas da casta Terrantez, não as comas nem as dês, para vinho Deus as fez!”.
Por fim, a Terrantez do Pico é, hoje, uma nobre e valorizada uva, que esteve prestes a sumir do mapa em seu território de origem, o arquipélago dos Açores, pontinho isolado no meio do Atlântico Norte.
Com aquela garrafa, descobri que a Terrantez do Pico é uma coisa, e a Terrantez da Madeira é outra, ainda que compartilhem certas características comuns além da coincidência do nome. Como a exuberância potencial dos vinhos produzidos com elas.
Quem a salvou da extinção, pelo que sei, foi o enólogo citado, e existe um heroísmo nisso. Eram 100 plantas apenas, há alguns anos. Hoje, já são mais de 4 mil. Digno de aplausos. Porque a Terrantez do Pico, meu amigo, é de emocionar.
Era, então, uma novidade que chamou a atenção, ali a partir de 2018 ou 2019, conquistado altas notas com a crítica, e alcançando também o sucesso de público, apesar da baixa produção. Em 2020, Maçanita foi premiado como o produtor do ano, pela mais importante publicação do tema em Portugal, a Revista de Vinhos.
Parte de sua família tem origem açoriana, assim como muitos moradores do litoral catarinense. Outra, tem raízes no Alentejo. Maçanita já fazia vinho na Fitapreta, com base em Évora, na ensolarada região.
E, um belo dia, como os navegadores portugueses faziam há mais de 50 anos, se lançou ao mar, para fazer preciosidades insulares no Arquipélago dos Açores.
Desde então acompanho este trabalho, que é a mais pura metaenologia, e vai muito além do vinho.
Deste projeto participa a sua irmã, Joana Maçanita, que tive a felicidade de conhecer essa semana.
Em seus rótulos, lemos em destaque: Maçanita – Irmãos e enólogos. Acho bonito e poético, do mesmo modo que assim são seus vinhos.
Ontem provei pela primeira vez os rótulos produzidos por eles no Douro. O que encontramos ali é o mais puro respeito às tradições vínicas locais, mas com assinatura da dupla.
Fiquei impressionado com a elegância do seu Maçanita DOC Douro Reserva, e ainda mais da surpresa da noite: o monumental Touriga Nacional 2015. Um vinhaço desses que conjugam profundidade com frescor, aromas límpidos de frutas e flores, com a complexidade das notas de evolução que começam a se mostrar. Encontramos couro e alcaçuz. Na etiqueta, está escrito, grande: Cima Corgo, a desafiadora região.
No vinho, a dificuldade, se bem trabalhada, vira a mais nobre virtude: a personalidade forte em harmonia com o perfil equilibrado, complexo e elegante que se espera de um grande exemplar da categoria.
Mas eu caí de amores foi mesmo pelos quatro brancos apresentados no jantar, que aconteceu na Mercearia da Praça, fugindo de seu menu português tradicional, e servindou coisas como o carpaccio de carne selado em pimenta. Ele foi uma companhia excelente para o brilhante e inesquecível Gouveio 2018 (by Joaninha) Tank Fermented, um primor de vinho branco, com aromas que em primeiro lugar me lembraram Jerez Manzanilla, salinos, com traços oxidativos e muito frescor. De impressionar. Mineral, tem aroma potente e pedregoso, que refresca ao mesmo tempo em que provocam com sua acidez equilibrada, mas marcante, elétrica e sedutora. A fruta dá uma espécie de acabamento fino, com aromas de melão maduro e pêssego, uma maçã verde bem cítrica, uma tangerina. Tem muita coisa ali, muito bem integrada e harmônica. Um vinhaço, para resumir.
São apenas 1.650 garrafas. Se pudesse, comprava todas e dava uma festa. Guardava uma parte para ir bebendo aos poucos, considerando que não é um vinho de guarda, mas sim que eu beberia todos os dias. Com qualquer comida. Porque gosto dele, e muito.
Custa R$ 349,90 no site da Buena Importadora.