Restaurante Mirazur, em Menton, na França, do chef argentino Mauro Colagreco, conquista a sua terceira estrela Michelin

Almoço com vista: foie gras com daikon e consomê de pato perfumado com verbena – Foto de Bruno Agostini

Pensa rápido. Quando “comida” vem à sua cabeça, quais os dois primeiros países a lembrar? É possível que muita gente vá logo pensar em França e Itália, certo? E, lembrando da dupla vizinha, o que mais representaria a cultura gastronômica desses dois países? Os sabores mediterrâneos, acredito.

O salão com vista que impressiona – Foto de Bruno Agostini

Então, imagine um restaurante que está localizado no litoral francês, a cerca de 50 metros da fronteira com a Itália, debruçado sobre as águas do Mar Mediterrâneo, na cidade de Menton. Pois além de estar neste terroir abençoado, onde brotam limões perfumados e cogumelos silvestres, porto pesqueiro onde diariamente peixes e frutos do mar fresquíssimos abastecem as cozinhas, o restaurante Mirazur tem um chef do primeiro time: o argentino Mauro Colagreco, casado com uma brasileira, aliás. Atualmente em terceiro lugar na lista da revista Restaurant, a meu ver favorito para a primeira colocação este ano, ele conquistou há poucos dias a sua terceira estrela Michelin, num processo de crescimento galopante: tinha só uma étoile em 2013, quando visitei o restaurante para ter uma das melhores refeições de toda a vida, uma degustação emocionante, bem dosada, no ritmo exato de serviço, com pratos ainda mais deliciosos do que lindos, um percurso irretocável, leve, equilibrado, com discurso “local e contemporâneo”, mas sem ser pedante nem com excesso de informações que muitas vezes nos cansam. Tudo fácil de comer e entender.

Desde então eu penso que ali temos tudo o que se necessita para um restaurante estar no topo, entre os maiores do mundo. Começando por um chef talentoso e carismático, passando pelo lugar realmente especial, com paisagem deslumbrante (no momento está em reformas, imagino que será ainda mais lindo), um serviço impecável. Ali, no exato encontro entre a França e a Itália, junto ao clima, aos ingredientes e ao cenário mediterrâneo.

Foi assim, e dá uma saudade boa, como são as melhores lembranças. Texto adaptado da reportagem que escrevi na época.

Você entra e se depara com isso, nada mais… – Foto de Bruno Agostini

Chegando ao restaurante Mirazur, em Menton, um tango moderno tocava baixinho na caixa de som. E quem me dá as boas-vindas, em bom português, é Julia Ramos Colagreco, carioca casada com o chef argentino Mauro Colagreco, que através de sua cozinha delicada, inventiva, original e de técnica impecável, conseguiu uma proeza: ser um dos cozinheiros de maior destaque no cenário gastronômico da França atualmente, admirado por gente como o mais importante — e temido — crítico do país, François Simon (é amigo da família Troisgros e de vários chefs brasileiros, e visita o país com regularidade, para cozinhar, ou não). É um dos restaurantes que mais tem se destacado em prêmios internacionais, e atualmente, por exemplo, é o terceiro do mundo na lista dos 50 melhores do mundo no ranking anual da revista inglesa Restaurant. E continua com tendência de alta, ganhando posições ano após ano.

Ele não chegou ao topo por acaso. Meu almoço na casa, que integra a associação Relais & Château, seguramente foi uma das melhores refeições de toda a vida. Além de tudo, a vista para o mar e o centro antigo de Menton é belíssima. O salão envidraçado valoriza esse patrimônio, e o serviço tem uma simpatia rara de se ver na França, incluindo garçons argentinos, desses que adoram o Brasil, e gostam de relatar as suas visitas ao país.

O chef mostra orgulhoso o seu chocolate artesanal – Foto de Bruno Agostini

No Mirazur a gente se sente em casa como em poucos lugares na Europa. Sem falar na seleção de vinhos, de pequenos produtores, quase sempre biodinâmicos, naturais, escolhidos a dedo.

— Estamos a apenas 50 metros da Itália, que começa logo ali — diz Julia, apontando para o mato que ocupa as encostas vizinhas ao restaurante, dono de uma horta produtiva que abastece a cozinha com muitos produtos frescos cultivados ali mesmo.

O lugar é mesmo especial, pelo simbolismo, e mais ainda pela oferta de ingredientes. Estão na fronteira mediterrânea da França com a Itália, como que um triângulo que une dois países com imensas tradições culinárias, e o mar que é sinônimo de riqueza alimentar. E para completar o cenário, a região é montanhosa, o que garanta também uma ótima oferta de ingredientes da terra, que se unem aos pescados: o limão siciliano, que é símbolo e o principal produto da cidade; os cogumelos selvagens, os queijos, as cabras e cordeiros; e na temporada de verão, lindas hortaliças: as flores de abobrinha, os tomates, as ervas frescas…

Para começar, anchova crua e borbulhas especiais – Foto de Bruno Agostini

Ainda impressionado com a vista, recebo o amuse bouche, com vários bocadinhos de apresentação impecável, entre eles uma anchova crua, fresquíssima, depositada sobre uma espécie de maionese caseira, cujo sabor até hoje está gravado na memória.

Ainda o início – Foto de Bruno Agostini

Com champanhe, a melhor maneira de se começar uma refeição, fica ainda melhor. E se for o Henri Giraud Grand Cru Hommage, joia de Aÿ, feito em homenagem a Francois Hemart (1625-1705), tudo pode ser definido como perfeito. Sobre a mesa havia ainda outro petisco: um crocante de alga.

Saladinha para comer com as mãos – Foto de Bruno Agostini

Logo em seguida, ainda como parte da diversão inicial de boca, mais delicadeza e belezura, e louça especial, nesta saladinha para se comer em uma só bocada: uma saladinha de ervilha, com a fava e o petit pois, tudo fresquinho, e refrescante.

Tudo fica ainda melhor quando temperado com poesia – Foto de Bruno Agostini

Delicadeza é algo fundamental, e o pão da casa, quentinho, é servido com azeite aromatizado com limão siciliano (Menton é famosa por seus citrons) e uma folhinha com trecho de um poema de Pablo Neruda (traduzido para o francês), “Ode ao pão” (para ler o original em espanhol,  clique aqui; para a versão traduzida para o português, clique aqui; e para ouvir Mário Viegas dizendo o texto, no YouTube, clique aqui: vale a pena, é linda o recital).

Alsácia na veia – Foto de Bruno Agostini

Chega então uma ótima forma de prosseguir: um lindíssimo Riesling da Alsácia. Desses que vão otimamente bem com a comida.

Canelone vegetal envolve o mais puro sabor marinho – Foto de Bruno Agostini

O primeiro ato foi uma espécie de canelone, cuja massa era uma lâmina finíssima de pera, que envolvia uma ostra crua, conjunto temperado por um creme de échalote, cebola ovalada e de sabor mais delicado. Ficou ainda mais perfeito pela ilustre companhia do Riesling, intenso, fresco, mineral.

Saladinha, parte 2: refrescância, delicadeza e sabor – Foto de Bruno Agostini

Logo depois, chegou uma saladinha das mais lindas e deliciosas que já pude provar, combinando vagens verdes e amarelas, flor de mostarda, cerejas frescas e cebola roxa, com um toque de limão siciliano e azeite.

Ousadia? Combinação entre bottarga com batata molho de café abóbora alcaparras e azeite – Foto de Bruno Agostini

E que tal uma cumbuca de bottarga com batata, molho de café, abóbora, alcaparras e azeite, também temperado com café? Inusitado e delicioso, com todos os elementos que um prato precisa, distribuídos com equilíbrio entre ingredientes de sabor e personalidade marcantes. Cremosidade, texturas diversas, a salinidade marcante da bottarga, e seus tons marinhos, e da alcaparra.

Vale destacar a harmonização, e o serviço – Foto de Bruno Agostini

Divino, ainda mais acompanhado de um copo do Domaine de Bellivière Les Rosiers, intenso e mineral. Tudo valorizado pela louça que colabora para uma apresentação impecável de cada prato, não houve uma receita que destoasse.

A vista alcança a área histórica de Menton – Foto de Bruno Agostini

Enquanto isso, admiramos a paisagem, entre um prato e outro, entre uma garfada e outra.

O fígado gordo, e delicado – Foto de Bruno Agostini

O foie gras com daikon e consomê de pato perfumado com verbena estava sublime.

Henri Milan, um dos grandes produtores da Provence – Foto de Bruno Agostini

Eles foram subindo o tom. Serviram este ótimo branco provençal, perfumado como os campos de lavanda que marcam a paisagem da região, não muito longe dali de Menton.

Da montanha ao prato – Foto de Bruno Agostini

O mesmo adjetivo pode ser usado para definir o charbonnier, um raro cogumelo colhido nas montanhas que envolvem Menton, servido com delicado creme de alho e flores de cebolinha francesa.

Do mar direto para a mesa, com escala apenas na cozinha do chef Mauro Colagreco – Foto de Bruno Agostini

Um filé de salmonete boiava sobre um caldo de cebolas, fumé de tamboril com sálvia e tripas de bacalhau fresco. Na taça continuava brilhando o delicioso Henri Milan.

Da ilha para a taça – Foto de Bruno Agostini

Chegou a hora, então, do primeiro tinto da tarde.  O Faustine Vieille Vignes 2011,  de Ajaccio, na Córsega, do Domaine du Comte Abbatucci: pura delicadeza e intensidade, reunindo elementos terrosos e frescor, com textura macia, cheio de nuance e complexidade. Assim como o prato que ele escoltou.

Beleza pões mesa – Foto de Bruno Agostini

Era um magret de pato, com molho de laranja em redução de cenoura, era acompanhado de mousseline de cenoura, umas fatias de cenoura tostada, e uma cenoura branca tamanho mignon, com ervilhazinhas e uma folhinha com perfume mentolado e aparência de samambaia. Uma lindeza.

Le chariot de fromage: foto de Bruno Agostini

O carrinho de queijos é uma tentação.

Sanduíche delicado de Muster – antes da sobremesa, para limpar a boca – Foto de Bruno Agostini

Em vez de um prato de queijos, recebi uma lâmina cristalina e crocante, envolvendo um pedaço de Munster, temperada com cominho e mel de acácia.

Delicadeza e frescor – Foto de Bruno Agostini

Uma pouco doce combinação de ruibarbo com morangos, amoras e outras frutinhas frescas, além de sorbet de ervas selvagens foi o penúltimo passo.

As mignardises – Foto de Bruno Agostini

Encerrei com dois macarons, um de limão, outro de erva-mate, como se simbolizassem a união de Menton e Argentina, ao lado de uns “gravetinhos” de chocolate, servidos sobre musgo fresco.

O Mirazur é apenas a mais deliciosa razão para se ir até Menton, mas há muitas outras, a começar pela própria orla, com praia de piso pedregoso, repleta de bares, cafés, restaurantes e hotéis, além de um cassino movimentado. Entre os lugares mais interessantes da cidade para uma refeição praiana está o restaurante La Mandibule, raro endereço especializado na cozinha das Ilhas Reunião, com tempero indiano e pitadas tailandesas na cozinha francesa, resultando em receitas apimentadas. E vale, ainda, passar pelo centrinho antigo de Menton, com suas construções bem conservadas. Só não dá para não ir ao Mirazur.

SERVIÇO
Mirazur: 30 Avenue Aristide Briand, Menton. Tel. (33) 4-9241-8686. mirazur.fr

P.S. – Este texto é uma adaptação aumentada de um reportagem sobre esta região litorânea da França, incluindo Èze. Para ler a matéria, clique aqui.
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