Viajar é a arte de andar devagar

O Tajarin com fonduta de queijos do Piemonte e trufas brancas, com Marchesi di Barolo – Foto de Bruno Agostini©

Viajar é um verbo que vamos conjugando de maneira muito diferente ao longo da vida. Aos poucos fui aprendendo que quanto menos abrangente é o roteiro melhor e mais gostoso é explorar um lugar.

Essa coisa de querer ver tudo, visitar os principais pontos turísticos e ‘conhecer’ o máximo possível de países para colecionar carimbos no passaporte é coisa de iniciante, ao menos deveria ser. Ninguém conhece cinco países numa viagem à Europa: a gente visita um lugar. Nem o Rio, minha cidade, eu posso dizer que conheço…

Que tal um piquenique às margens do rio Sena, na Île Saint-Louis? – Foto de Bruno Agostini©

Viajar é a arte de ir aos poucos, de reparar nos detalhes, de comer o local e de beber o mesmo. É o prazer de trocar o seu cotidiano por um pouco da vida no lugar. (Leia aqui: “#TBT: Um flâneur gourmet em Paris*“).

Já viajei para a Europa, em busca de conhecer um continente. Fracassei.

Arte e vinho: a sala de barricas (e concertos) da salentein, no Vale de Uco, Mendoza – Foto de Bruno Agostini©

Em outros casos, peguei um avião para conhecer um país. A Itália, a França, Portugal e Espanha, a Argentina, o Uruguai e o Chile, que são, não apenas os países que mais visitei, mas os únicos que explorei de Norte a Sul, e de Leste a Oeste, usando todos os meios de transporte possível, muitas vezes dirigindo.

Uma visita á fábrica de mostardas – a melhor do mundo! – é um programão – Foto de Bruno Agostini©

Depois, a vontade maior era de explorar calmamente uma única região. Fui comer trufas e beber Barolo no Piemonte. Passei dias a garimpar vinhos e comer pratos de sonho na Borgonha. Passei por quase todas as áreas vinícolas da Catalunha. Fiz o mesmo em Mendoza, na Argentina, depois de umas dez viagens.

Destreza para servir os canecões na Oktoberfest de Munique, no pavilhão da Paulaner – Foto de Bruno Agostini©

Depois de uma insana Oktoberfest de Munique fui explorar cidadezinhas da Baviera em busca de suas cervejas.  Fiz de Évora, por três vezes, a base para cruzar todo o Alentejo, saboreando suas delícias, a comida, a bebida e o visual.

A entrada do Paraíso, em Barcelona – Foto de Bruno Agostini©

Mas o que gosto mesmo é de viajar para uma cidade.  Grande e cosmopolita. Nova York é a preferida. E listo tantas outras que adoro. Paris, Londres, Lisboa, Barcelona, Roma, Buenos Aires, Munique, Tóquio. Colocadas em ordem aleatória, entre os grandes centros urbanos onde passear sem destino é sempre uma surpresa deliciosa.

E Tóquio, que tive tão pouco tempo para desfrutar, e onde quero passar uma longa temporada, para degusta-la com calma. Planejava ir na Olimpíada, mas…

A codorna assada, na incrível Trattoria della Posta, nos arredores de Alba, no Piemonte, Itália – Foto de Bruno Agostini©

No entanto, também me contento em passar dias tranquilos em cidades, especialmente as cidadelas medievais da Europa, por menor que sejam. Tantos lugares de sonhos que merecem uma apreciação calma. Alba, no Piemonte, e as comunas ao redor, onde são feitos Barolo e Barbaresco.

“Roma”: o filme fez crescer a vontade passar uns dias no bairro – Foto de Bruno Agostini

São tão miúdas que podem ser menores que um bairro. E fazer uma viagem com o propósito de passear vadiamente por uma única vizinhança parece ser o caminho natural atualmente para este viajante profissional que não quer mais viajar com pressa, querendo ver tudo. Porque é aí que não vemos nada.

Chegará um dia, quem sabe, em que vou desejar fazer um roteiro longo, focado em um único bairro, como Roma, na cidade do México.

Uma ladeira inteira tomadas por lojas e barracas deliciosas: isso é Mouffetard, em Paris, e eu poderia ficar uma semana só ali – Foto de Bruno Agostini©

Depois, vou querer explorar apenas uma rua, quem sabe. Ou, ainda, fazer um retiro em uma só propriedade: uma casa, um sítio, uma cabana de pescador – algo que nos tire de nossa rotina e nos coloque em outra completamente diferente. Nada nos ensina mais do que viajar, do que nos colocarmos no lugar do outro. Empatia, sabe? Viajar é naturalmente empático para quem se propõe a isso.

Panissa: arroz com feijão à moda do Piemonte, em Vercelli, no La Cinzia – Foto de Bruno Agostini

No futuro acho que isso pode até evoluir. Chegará o tempo em que poderemos viajar para conhecer um lugar apenas, um bar ou um restaurante, para comer a sua comida, beber a sua bebida, sentir a sua atmosfera. Quem sabe sairemos de casa em busca de um único prato (fui até Vercelli, origem dos Agostini, para sentir as raízes da família, mas também para comer o prato ícone desta que é chamada de Capital do Risoto, merecidamente). Ou para provar, por exemplo, todas as cervejas de uma pequena fábrica.  Ou os vinhos de uma vinícola.

Desde 1996 eu não passava um ano sem fazer uma viagem internacional. 2020 rompeu essa cadeia histórica em minha vida. Que tristeza. Parece que tudo vai se repetir neste 2021.

Vem, vacina. Hoje me bateu uma certa nostalgia de viajante.

Para onde eu vou?

‘Veramente’ romana: a carbonara impecável da excelente e tradicional Salumeria Roscioli, na capital italiana – Foto de Bruno Agostini©

Para Roma: no almoço vai ter carbonara. Porque a comida é algo que nos leva longe. Mesmo quando estamos em casa. Também é uma homenagem, ao prato e também à cidade onde nasceu, que é simplesmente um dos melhores lugares do mundo para comer. Uma saudação a esta combinação mágica de massa, guanciale, pecorino e pimenta-do-reino – só isso, e apenas isso (sal na água também, claro). Até porque depois de amanhã, dia 6, é o Dia da Carbonara. Para mim, carbonara é como mãe: além de acolhedora e amorosa, todo dia é dia dela.

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