Domingo volto a Tiradentes, seguramente a cidade do interior do Brasil onde encontramos a maior quantidade de grandes restaurantes. Pudera. Minas é um estado milagroso, onde parece que cada garfada vem cheia de amor, de carinho, de sabor e história. E o melhor é que a simplicidade é o que norteia isso tudo.
Há um caso exemplar nesse sentido. Conheci o restaurante Tempero da Ângela, em Bichinho, pouco depois da inauguração da casa, em 2004 ou 2005. Não me lembrava deste detalhe, fui informado agora, mas na época o chão ainda era de terra batida, as paredes eram de bambu, e havia até galinhas ciscando naquela capoeira, que fazia papel de sala de refeições. Mas eu lembro perfeitamente de três coisas: o fogão a lenha ali estava ali, cozinhando pratos mineiros, e funcionando como aparador para os clientes se servirem; a comida era maravilha e os preços, ridiculamente baratos. Também me recordo bem da simpatia no atendimento, este traço tão mineiro.
Passaram-se mais de dez anos. O piso hoje é de cimento. A casa ganhou uma sala anexa para que as pessoas esperem com mais conforto um lugar, porque as filas são comuns, e nos fins de semana e feriados são longas e inevitáveis. O resto, preços, comida linda e fogão a lenha, continuam iguais.
Foi em 2003. Ângela trabalhava em um restaurante, e ao perceber o seu imenso talento na cozinha, o patrão resolveu dar liberdade a ela, incentivando-a a abrir o seu próprio negócio. Mais que a generosidade de abrir mão de sua cozinheira, ele ainda fez mais: emprestou algo como R$ 3 mil para que ela pudesse abrir a sua casa aos clientes. O sucesso foi imediato, e pouco tempo depois, ao passear em Tiradentes, sempre farejando boas novidades e boas comidas, alguém me disse: “Você precisa conhecer o restaurante da Ângela, em Bichinho. A comida é muito melhor e muito mais barata do que esses aqui do Centro Histórico”.
Acreditei na sugestão, e fui lá conferir. Tive um almoço de gala, por alguns trocados. Quase sempre que eu passeio pela região acabo almoçando por lá, por prazer e economia. Desta vez não foi diferente. A primeira coisa que fiz ao chegar a Tiradentes foi desviar o caminho, à direita, rumo a Bichinho, distrito de Prados, que está a uns 8 km da cidade histórica.
Antes de mais nada, passamos na Tabaroa, para um apetitivo de cana. Logo defronte ao restaurante fica a loja desta cachaçaria, que produz duas pingas deliciosas. A Tabaroa, com passagem em madeira, e a branquinha, uma raridade, feita a partir de uma plantação de cana-caiana, muito difícil de se encontrar (essa é vendida só ali, devida á produção muito pequena). Não sou especialista em cachaça. Isso posto, digo que foi das melhores pingas que já bebi na vida inteira. Uma delicadeza.
Pois logo depois de abrir o apetite com três ou quatro goladas, atravessamos a rua, e fomos almoçar. Ângela estava na porta, pregando a placa com o nome do restaurante, que ameaçava cair. Ao mesmo tempo chega o Fabio Mattioli Gonçalves, da lindíssima cachaçaria Mazuma Mineira. Ele se junta a nós para o almoço. Ao chegarmos à mesa, ele comenta.
– Sou vegetariano, e almoço aqui todos os dias. Vai lá no fogão ver a quantidade de refogadinhos de legumes deliciosos que ela faz: vagem, abobrinha, jiló, couve, abóbora… São deliciosos.
Não poderia mesmo haver nome melhor para o restaurante. O grande trunfo da comida da Ângela é justamente o seu tempero.
O almoço custa R$ 25 (R$ 28 nos fins de semana, e isso inclui quantas visitas forem necessárias ao fogão a lenha – eu gosto de fazer vários pratos, nunca muito cheios -, uns três docinhos de compota com queijo minas fresco, cafezinho e uns pedaços de deliciosa rapadura como se fossem mignardises da roça).
Lá dentro, aquela pornográfica compilação gastronômica caipira. Panela de ferro, e outras de alumínio, guardam preciosidades. O tutu é dos melhores de toda a vida. O pernil, marca registrada da cozinha, consegue manter certa umidade, e uma parte externa impregnada de sabor, e aquela coloração de molho ferrugem. A carne de panela, em molho denso e escuro, desmancha-se ao toque da colher. Os purês, de batata, mandioca, baroa, e outros que se revezam regularmente, são puro aconchego caipira. Torresmos, linguiças e um cremoso feijão gordo completam o time de iguarias suínas. Os refogadinhos de vegetais são variados, cada qual de seu jeito, e absolutamente imperdíveis (prove todos). Meu preferido? O de jiló. E não é exagero dizer: também está entre os melhores que já provei. O frango com quiabo tem baba, e é assim que eu gosto, e é assim que deve ser (quer quiabo sem baba? Então assa ele inteiro, no forno ou na brasa, que não vai ter baba, mas no frango com quiabo a tradição manda que seja assim). O cardápio muda com certa regularidade, e pode ter ainda batata doce, mandioca frita. O angu de corte não pode faltar. Para completar, duas variações de pimenta da casa, curtidas na pinga: uma pastosa e outra com as malaguetas inteiras, levemente machucadas.
Pra beber, uma cachacinha vai bem, obrigado. Para encerrar, doce de leite cremosinho com queijo fresco; e um cafezinho com rapadura.
Por R$ 25, este talvez seja o melhor restaurante barato do Brasil.
SERVIÇO
Tempero da Ângela – Rua Dep. José Bonifácio 64, Bichinho, Prados. Tel. (32) 3353-7010. Diariamente, das 12h às 17. Não aceita cartões.