A Sardenha é um destino em alta no cenário mundial há uns 10 ou 15 anos. Entre os ricaços, por conta de suas praias lindas e aura exclusiva, especialmente as da costa leste da ilha, onde navegam iates sensacionais e há uma boa oferta de resorts de luxo, e também entre jovens mochileiros e outros durangos, atraídos não só pelo litoral de águas incrivelmente claras, mas também pelos preços baixos de passagens (na temporada tem voo de 20 euros de várias cidades importantes da Europa, como Londres, Barcelona, Paris e Berlim, entre várias outras), hotéis, alimentação e bebidas.
Ok, mas praia linda e preço baixo encontramos no mundo inteiro. De modo que pensar em uma viagem à Sardenha para tostar ao sol e mergulhar no Mediterrâneo não me parece ser uma razão suficiente para me atrair. Não viajo para ir à praia há alguns anos – não sei ser por ser carioca, praia é algo que adoro, mas que não me faz sair de casa, por mais linda que seja. O que me faz arrumar as malas e pegar a estrada e tomar o rumo do aeroporto são comidas, bebidas, pessoas, histórias. Isso é o que não falta na Sardenha, com um tempero incrível, além da qualidade em si dos produtos e de sua gente para lá de simpática: a originalidade das coisas. Há vinhos e iguarias que só existem aqui. E outros elementos na ilha são diferentes de outros lugares: o cordeiro é diferente, tem sabor especial. O Vermentino, idem. E assim por diante.
Tradicional produtora de bottarga – o mais importante da Itália, e do mundo -, a Sardenha me apresentou ontem uma iguaria rara, que entrou para a minha lista de comidas extraordinárias, com as trufas brancas de Alba (in loco) e outras poucas coisas comestíveis. Trata-se da bottarga de atum vermelho, que conheci no box chamado Casa de la Bottarga, no Mercato San Benedetto, em Cagliari, onde também me impressionou a oferta de pescados frescos, e o perfume marinho que tomava o ambiente, que para bom entendedor é indicador de qualidade e frescor de peixes e frutos do mar. Fora as carnes e os vegetais, os queijos, embutidos etc etc etc.
Paramos nessa barraca, com simpática atendente, que vende vários peixes e frutos do mar em conserva: tem bottarga, alici, arenque defumado e toda a sorte de enlatados, de atum e sardinho a polvo, lula, ovas… Paramos para conversar, ela nos ofereceu uma prova da bottarga. Até que nos mostrou essa raridade:
– A bottarga de atum você só encontra aqui, meu avô fazia, e hoje toda a produção de ovas frescas vai para a Rússia e a China, mas eu consigo alguns exemplares e faço a cura – disse ela. – Quer provar?
Perguntar para Bruno se quer provar algo de comer ou beber, é como questionar se um macaco quer banana. Pois sim. De tão grande, e também pela cor e perfeito acabamento, e ainda pelo fato de que ela usou a bottarga de atum como base parea cortar a de tainha: parecia uma tábua de madeira. Ela cortou uma parte. Provei. Um pedaço. Dois, três, quatro, cinco, dez… Estava me sentindo culpado, por ter provado tanto, de um produto tão caro, sem nada pagar, quando o amigo Silvio Podda encomendou uma peça generosa, para levar ao Brasil. Daí, fiquei tranquilo, e tasquei mais um pedaço. Aquela sensação umami, a textura quase cremosa, mas quebradiça, untusa na boca, com persistência e um sabor único, que não se compara com nada. Você precisa provar, e fique de olho, porque em breve haverá um festival na Casa do Sardo, enquanto durarem os estoques.
Aliás, a Sardenha não só produz bottarga, como distribui, inclusive muito do que é produzido no Brasil vem para cá, de daqui para outras partes do mundo.
Dos lugares mais incríveis em qure já estive, senão o mais espetacular e delicioso de todos. Estou de queixo caído com a paisagem, a História fabulososa e guerreira, suas construções de mais de 4 mil anos, suas pessoas e sobretudo, o que se come e bebe por aqui, quase tudo de produção local.
Se você nunca considerou vir à Sardenha, eu digo e afirmo: é hora de recer os seus conceitos. Falei.