Retrato de um Prato: de volta ao Cosmopolita para devorar o filé à Oswaldo Aranha

Ainda hoje o prato é servido na frigideira de ferro, como na época em que foi criado, a década de 1930 – Foto de Bruno Agostini

No fim do ano, num momento de nostalgia, me peguei em dúvida, em um passeio pelo Centro. Onde vou almoçar. Primeiro, pensei no Rio Minho, onde por mais de três anos eu almoçava lá semanalmente, aproveitando que trabalhava perto. Ia no balcão do lado de fora, onde servem PFs e refeições a preços mais acessíveis (saudados do polvo ao alho e óleo a R$ 16…). Mas aí lembrei do chope do Bar Brasil, e de um prato que é a cara deste recanto histórico (assim como o Rio Minho): o kassler à mineira, união de Minas com Alemanha, criação de ninguém menos que Paulinho da Viola (ele mesmo!), a cara do Rio. Foi então que veio à memória a suculência do filé à Oswaldo Aranha do berço deste prato tão carioca, criado pelo político de mesmo nome, nos tempos em que esse restaurante – outra pérola histórica da gastronomia carioca – era chamado de Senadinho, pela frequência desses congressistas. Feliz, estou de volta ao Cosmopolita para devorar o seu filé à Oswaldo Aranha.

Porque venceu o terceiro. Confesso que sofri na caminhada da estação da Carioca do Metrô até lá, sob um sol escaldante.  Tudo o que precisava era de um chope bem gelado e de um filezão coberto de alho frito em lâminas, com aquelas fritas portuguesas crocantes, a farofa molhada nos caldos do cozimento (grelhar é o verbo mais adequado), o arroz.

Meu desejo foi prontamente atendido. “Tudo o que precisava era de um chope bem gelado” é modo de dizer, devo ter derramado uns cinco. E veio o filé. Era tudo o que queria.

Ponto triste: ver a casa – tão relevante para o Rio – um tanto vazia na hora do almoço, com cara de final de festa (cara essa, que se diga, já vem de algum tempo). Uma pena, espero que resista, que seja tombado, ou algo que o proteja do fim.

Aproveito o gancho para publicar, logo abaixo, um texto antigo, que em novembro faz dez anos. Nada mudou de lá para cá, só o fato de que – vez ou outra – a casa não consegue manter a regularidade, especialmente no ponto da carne. A minha estava perfeita.

A versão do Filé de Ouro: imune a falhas – Foto de Bruno Agostini

O prato é encontrado em muitos restaurantes do Rio. O seguintes, em minha ordem de preferência são os servidos no Filé de Ouro, no Jardim Botânico e no Cervantes de Copacabana – fora do chamado T-Rex, do Bar do Momo (um contrafilé gigante, coberto com muito alho frito, combinação que é a alma do Oswaldo Aranha) e dois ovos estalados. porque, afinal, com dois estalados, quem é que precisa de fritas, farofa e arroz?

Cosmopolita: berço do filé à Oswaldo Aranha, receita carioca universal

O restaurante Cosmopolita, na Lapa, é daqueles endereços que precisam ser visitados. Porque não sei se ele vai durar ainda muito tempo. Numa esquina da Mem de Sá, já foi um dos lugares mais importantes da cidade, quando era frequentado por políticos, principalmente esses, e também diplomatas, jornalistas e empresários, o que o levou a ser conhecido como Senadinho.

O histórico balcão, quase centenário – Foto de Bruno Agostini

Vem desse período a criação de uma receita que tem a cara do Rio, o filé à Oswaldo Aranha, batizado assim por ter sido criado pelo próprio.

O prato é uma obra-prima da simplicidade e harmonia de sabores: pega um belo pedaço de filé, grelhando-o de maneira a deixar uma casquinha queimada, dura e crocante, e um miolo rosado, macio e suculento. Numa frigideira de ferro fumegante a carne é servida escoltada por farofa, arroz e batatas fritas à portuguesa, aqueles chips crocantes que mexem definitivamente na textura de um prato assim, tão aconchegante.

Em tempos de policiamento calórico o maître sempre pergunta se pode, ao servir em seu prato o pedaço de carne, arroz e farofa na chapa que está untada de manteiga e sucos da carne, uma daquelas tentações irresistíveis que são capazes de transformar a simples combinação de arroz e farofa num retrato sublime da gastronomia carioca. É possível que alguém ache o prato calórico demais, mas não tratamos de dieta, e sim de prazer.

Esse fabuloso conjunto carne-farofa-batata frita-arroz, nascido exatamente no distante ano de 1933, já se bastaria. Mas aí veio a genialidade culinária do velho Oswaldo Aranha, que certamente não poderia supor como ficaria famoso não apenas no Rio, mas em todo o Brasil, porque o prato virou clássico do receituário nacional (ou estou enganado?): ele, embaixador e ministro, mandou jogar por cima dessa bendita mistura um montão de alho fatiado e frito (nada de espremer o alho, hein: na receita original ele é finamente fatiado). Isso é a glória. Um prato que, se fosse gente, merecia ser canonizado. É simples, é puro, faz bem à alma. Opera milagres.

O chope do Cosmopolita é bom, muito bom. E há outros pratos respeitáveis, que seguem à risca o receituário clássico dos restaurantes e bares mais cariocas do planeta, como é o Cosmopolita, como é a Lapa: o cardápio lista coisas de bacalhau, cabrito, outras variações de uma boa peça de filé. Tudo preparado com aquela dignidade e fartura à moda antiga, do tipo que não se vê mais por aí. Mas, vai por mim. Não há razão de ir ao Cosmopolita e pedir algo que não seja chope e filé à Oswaldo Aranha. Em respeito ao bom gosto e à memória da cozinha carioca.

Publicado em 8/11/2010 no blog Rio de Janeiro a Dezembro (que hoje é, assim como Retrato de um Prato, uma das colunas deste site: o link para a página).

SERVIÇO
Cosmopolita:Travessa do Mosqueira 4, Lapa. Tel. 2224-7820. Seg. a qui., das 11h30m à meia-noite; sex. e sáb., das 11h às 5h. Aceita cartão de crédito e débito.

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