Cozinha em Revista: Steirereck, em Viena – um almoço perfeito, com menu impecável e serviço espetacular em um lugar lindo

 

 

Alho poró na brasa, e complementos – Foto de Bruno Agostini

Quando vou avaliar um restaurante a primeira coisa que levo em consideração é a comida. A segunda? É também a comida. E a terceira coisa, idem. Só a partir daí eu começo a levar em conta outros fatores, como serviço, localização, cartas de bebidas, apresentação dos pratos etc. Tudo muito importante, mas pra mim o que vale mesmo é a comida. Assim, enxergo com o mesmo interesse um pé-sujo qualquer e um multiestrelado restaurante.

O famoso relógio de flores do Stadtpark – Foto de Bruno Agostini

Uma das grandes refeições de toda a minha vida eu fiz em Viena, no restaurante Steirereck. Foi uma sequência incrível de pratos, com serviço não menos que impecável. Uma ótima carta de vinhos, com sugestão precisa do sommelier, e os três carrinhos que desfilam pelo salão, um com pães do mais alto nível, outro com uma seleção de queijos ampla e indescritível e, por fim, dezenas de destilados de frutas itinerantes, para arrematar. E tudo isso instalado em um parque lindíssimo.

Alguém sabe que ave é essa? – Foto de Bruno Agostini

Ainda era um dia de sol, e para ser mais perfeito o almoço foi precedido por uma caminhada tranquila pelo Stadtpark.

Espumante austríaco, para começar – Foto de Bruno Agostini

Saí do meu almoço no restaurante Steirereck convicto de ter feito uma refeição perfeita. A começar pelo lugar onde está localizado o que é considerado o melhor restaurante da Áustria: dentro do Stadtpark, à beira do Wienfluss, o canal que corta o parque até desaguar no Danúbio. Cercado pelo verde, com janelões que permitem a entrada da luz e da paisagem, o restaurante serve refeições impecáveis em todas as suas etapas.

Massinhas crocantes e delicadas são o primeiro serviço – Foto de Bruno Agostini

O serviço é irretocável, sem ser invasivo nem bajulador. E para acompanhar o espumante, belisquetes delicados. Primeiro, um trio de palitinhos crocantes, de massa ótima.

Tomatinho, crocante de beterraba e outras coisinhas delicadas que já sou incapaz de lembrar – Foto de Bruno Agostini

Depois, um pratinho, com delicadezas que os franceses chamariam de amuse bouche, mas ali – em terras de línguas germânicas, podem ser “belustigen den mund”, ou algo assim.

O imperdível carrinho de pães – Foto de Bruno Agostini

O carrinho que apresenta os pães feitos na casa tem mais de dez variedades, frescas, vistosas e perfumadas, incluindo uma com morcela, além daquelas receitas integrais, com os mais diversos grãos, honrando a tradição dos povos germânicos na padaria. Nem precisaria, mas a manteiga também é muito boa.

O cardápio apresenta clássicos locais, como o melhor wiener schnitzel que já experimentei, e um repertório de receitas que fogem do trivial, com iguarias como coração de cervo e cérebro de javali selvagem. Há ingredientes um pouco mais convencionais, tipo um cordeiro criado em fazendas alpinas e uma seleção de vegetais e cogumelos das melhores procedências, como porcini frescos, trutas das montanhas, cabeça de javali selvagem…

Escolhi um menu degustação em quatro etapas, a € 75, no almoço. Não tinha como sair dali sem provar o wiener schnitzel. Então, pedi à parte, por € 24.

Como fiquei com vontade de provar de tudo, pedi auxílio ao maître. A recomendação foi começar com o mariazeller char, um peixe de água-doce de carne delicada; seguido de coração de alho-poró com cogumelos chanterelles e, depois, um cordeiro com alcachofra de Jerusalém, raiz de origem americana que anda em alta nos menus da Europa, também conhecido como tupinambo, tupinambur, topinambour (sim, palavras derivadas dos nossos indígenas tupinambás), entre outros nomes.

Ótimo Riesling austríaco, sugerido pelo sommelier – Foto de Bruno Agostini

Pedi ao sommelier para escolher um riesling austríaco capaz de acompanhar toda a refeição. Ele indicou o Smaragd Höhereck, da Alzinger, uma das melhores vinícolas da região de Wachau, que cumpriu o seu papel. E foi devidamente decantado.

O peixe foi impressionantemente cozido no calor da cera quente de abelha – Foto de Bruno Agostini

O char, cozido na mesa no calor de cera de abelha quente, foi espetáculo cênico – e a técnica emprestou nuances delicadas do sabor de mel.

O char, peixe da família dos salmões e trutas, muito delicado – Foto de Bruno Agostini

Foi dos pratos mais delicados que já comi. O peixe em sua pureza plena, é um dos pratos emblemáticos da casa (bem como o wiener schnitzel), e nunca sai do menu. Simplesmente imperdível.

Mais delicadezas em forma de alho-poró assado na brasa – Foto de Bruno Agostini

Em seguida, os corações de alho-poró, lindamente montados no prato, colocados de pé, enfeitados pelos seus adornos de sabor, cor e textura. Pedacinhos de tomate, os pequenos cogumelos, temperinhos verdes bem dosados, folhinhas de alface crespa…

Cada prato é servido com a sua “ficha técnica” – Foto de Bruno Agostini

Taí outra coisa que gostei. Os pratos são apresentados em detalhes, em fichinhas como essa, o que evita os longos discursos do garçom, explicando os ingredientes e preparo. Quem quiser, lê, e fica sabendo. Quem não quiser, não precisa ler. E ainda dá para levar pra casa, para os que colecionam cardápios (tipo eu).

O melhor wiener schnitzel de toda a vida – Foto de Bruno Agostini

Eis que chega, vistoso e soberano, o wiener schnitzel, prato tradicionalíssimo da capital austríaca, que ali alcançou o seu estágio culminante. Para começar, é feito com vitelo mamão, desses que se alimentaram apenas com leite. A carne, pura delicadeza, rosada, macia e suculenta, é envolvido por uma milanesa perfeita, que consegue ser leve e sem traços de gordura. Chega a ser fofinho. Ao lado, uma salada de pequenas batatas, e em cima um limão siciliano embrulhado em tecido de malha fina, para reter gominhos e caroços, deixando cair sobre a carne apenas o suco cítrico e perfumado, que fez um bem danado quando usado para temperar uma garfada. Num pratinho vinha uma conserva de groselha, que dava aquela tapa de açúcar e acidez quando precisasse.

Voltamos ao menu degustação com o cordeiro, servido com as alcachofras de Jerusalém, de duas formas: a raiz íntegra, coroada por cogumelos; e uma espécie de purê, colocado sobre os pedaços de filé, grelhados perfeitamente, rosados, suculentos e com sabor realçado pelo molho denso e escuro, tipo um bom roti.

Tentação em forma de queijos – Foto de Bruno Agostini

Não fui capaz de resistir ao carrinho de queijos, com cerca de 50 variedades. E uma grande refeição precisa ter um prato de queijos antecedendo a sobremesa.

”Quero os mais maduros, fortes e intensos” – pedi à garçonete – Foto de Bruno Agostini

Foram cinco pedaços, um melhor que o outro, daqueles, digamos, aromáticos, de sabor mais intenso e maduros. Ao ver o meu interesse em cada um deles, a garçonete simplesmente me trouxe uma listinha com nomes, características e procedência dos queijos, sugeriu uma ordem de degustação e juntou as cinco fichas com um pedaço de durex. O serviço do Steirereck é um capítulo à parte, e merece ser destacado.

Carrinho de destilados de frutas – Foto de Bruno Agostini

Como negar, também, um digestivo depois de um almoço desses? O carrinho trazia uma seleção de destilados de frutas austríacas de primeira linha, num total de quase 100 rótulos. Outro digestivo foi o passeio posterior pelo parque e pelas ruas do Ring, tranquilamente, com a alegria de ter feito uma das melhores refeições de toda a vida, não apenas pela comida, mas pelo conjunto da obra.

Para finalizar, destilado de groselha – Foto de Bruno Agostini

Pedi este, que é feito a partir de groselhas selvagens, pelo que entendi, por uma das melhores destilarias do país, a Parzmair (recomendo demais).

Docinhos em bela apresentação, para encerrar – Foto de Bruno Agostini

Como optei pelo prato de queijos, abrindo mão da sobremesa, acompanhei o café (muito bom, por sinal) com esse serviço simpático e bonito de mignardises. Foi tudo perfeito. Nota 10, com louvor. Impecável. em todos os aspectos. Comida, bebida, ambiente, localização, serviço, incluindo um time de funcionários que consegue ser eficiente e simpático.

Estátua de Johann Strauss no Stadtpark, à beira do Wienfluss, o canal que corta o parque até desaguar no Danúbio – Foto de Bruno Agostini

Outro digestivo foi o passeio posterior pelo parque e pelas ruas do Ring, tranquilamente, com a alegria de ter feito uma das melhores refeições de toda a vida, não apenas pela comida, mas pelo conjunto da obra.

A famosa torta Sacher, servida no hotel de mesmo nome – Foto de Bruno Agostini

Como dizia… O Steirereck é o mais espetacular e imperdível programa gastronômico de Viena. Mas há muitos outros, a começar por uma sobremesa, a torta Sacher, servida no café que funciona Sacher Hotel, junto à Ópera Estatal de Viena, o principal teatro da cidade. Prepare-se para a fila.

O doce é oferecido em outros cafés entre os muitos que existem na cidade, numa seleção de nomes liderada pela Demel, cujos doces, uma instituição vienense, são tão famosos que são produzidos numa vitrine, com funcionários sendo fotografados como se fossem monumentos. O wiener schnitzel também faz bonito ali. Nesta tradição de cafés, existem ainda outros imperdíveis, nem que seja só para curtir o ambiente, como o Landtmann, inaugurado em 1873 e frequentado por nomes como Sigmund Freud e Gustav Mahler, e o Café Central, de 1876, reduto de escritores e intelectuais.

 

SERVIÇO
Steirereck: . Am Heumarkt 2A.  De segunda a sexta-feira, das 11h30m às 14h30m, e das 18h30m às 23h. www.steirereck.at

 

 

 

 

 

 

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