Ontem o site estreou a coluna “5 Perguntas Para” com a participação do enólogo e poeta Luís Henrique Zanini (para ler, clique aqui). Pesquisando sobre ele eu encontrei um texto meu antigo, que julgava perdido. Era sobre o Era dos Ventos Merlot 2007, um vinho que me deixou impressionado e que me mostrou o potencial do país na enologia, não só na produção de espumantes, além de brancos, rosados e tintos de perfil leve e pouco alcoólico, marcados ainda pela boa acidez. A descrição do Era dos Ventos está abaixo e não vou repetir aqui.
Fato é que provei esse vinho no começo de 2013, ou seja, com seis anos de idade. Em fevereiro de 2009 (talvez final de janeiro) eu estive em Bento Gonçalves, e fui o primeiro jornalista a visitar esse projeto que até hoje é, na minha opinião, a melhor vinícola do país – considerando que sua produção é muito pequena, com alguns rótulos tendo ao redor de 300 ou 400 garrafas, verdadeiras preciosidades, encontradas em poucos lugares, como o Aprazível (Pedro Hermeto, sócio do restaurante, também faz parte do projeto); SULT (que foi tema de reportagem na semana passada neste site); e Sud, o Pássaro Verde.
Pesquisando sobre o vinho, hoje, entro no site deles http://www.eradosventos.com.br/, onde encontrei minha citação, feita neste post que republico abaixo, escrito em 24/01/2013: “É o melhor vinho brasileiro que já provei”. Hoje, sete anos depois, continua sendo. E consigo me recordar da sua textura densa, seu aroma complexo, sua cor escura e suas demais virtudes descritas no texto abaixo.
Tenho orgulho imenso de ter sido o primeiro a visitar a vinícola, em 2009, bem como também de ter sido o primeiro jornalista a dizer que este era o melhor vinho do Brasil. O amigo Didu Russo, de quem sou fã, pelo conhecimento e sinceridade, também disse: “O Peverella é o melhor branco do Brasil”. E eu estou 100% de acordo. O que significa dizer que o melhor branco e o melhor tinto do Brasil, em minha opinião, são produzidos por eles, em processo natural e orgânico. E (por que não dizer?) com amor.
Quem quiser entra no site e veja opiniões de especialistas estrangeiros, como Jonathan Nossiter e – ninguém menos – que Steven Spurrier (que fez uma descrição do vinho bem próxima da minha, só que eu fiz antes rsrsrsrs), um dos mais respeitados críticos de vinho do mundo.
Hoje a linha tem oito vinhos: o espumante 2011; os brancos Peverella 2014 e Trebbiano 2017; e os tintos Marselan 2013, Teroldego 2012, Merlot 2014, Merlot Ícone 2012 e Tempranillo 2015. No Rio as encomendas podem ser feitas na Gavinho (importadora voltada aos vinhos naturais, orgânicos e biodinâmicos, com uma linha sem nenhuma bobagem, só coisa fina – pelo menos eu nunca provei nada deles de que não tenha gostado): (21) 2620-6212; gavinho.com.br; vinhos@gavinho.com.br.
O Merlot 2007 não está mais disponível no mercado. Mas abro uma exceção (geralmente escrevo sobre vinhos que provei recentemente, e que estão à venda): o Vinho da Semana é este. Reproduzo abaixo o texto que escrevi para o meu antigo blog que mantive por sete anos n’O Globo (infelizmente perdi a grande parte dos textos quando pedi demissão do jornal, em 2014, pois a Enoteca – seu nome – saiu do ar junto comigo e nem tive tempo de salvar os textos de que mais gostava, e eram muitos, uma pena).
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Era dos Ventos Merlot 2007: o melhor tinto do Brasil
Foi no domingo passado. Churrasco armado com amigos, uma bela peça de prime rib, umas linguiças…
O que abrir? Dúvida cruel. Mexendo nas garrafas da adega, para buscar a solução, encontro o Era dos Ventos Merlot 2007. Abrir ou não abrir?
Em boas companhias, achei que era a hora.
Abri a garrafa, que estava fria, e coloquei no Decanter. Curioso, me servi de um bocadinho. Mesmo ainda frio e recém-aberto, o vinho já se mostrou lindamente macio, equilibrado, e bastante aromático.
Enquanto acendia o fogo e fazia o “mise-en-place”, deixei o vinho lá, respirando, e também decantando efetivamente, já que, por não ser filtrado, tinha muitos sedimentos.
Dei uma bicadinha na taça, que ainda tinha um restinho da prova. Aí, fiquei realmente impressionado. Mais quente e com tempo aerando, o vinho já estava revelando a sua complexidade aromática. Rodei a taça. Cheirei, cheirei, cheirei. Arregalei os olhos, e salivei.
Um gole. Dois goles. Mas que vinhaço!
Foi uma alegria. Fino, elegante e delicado, mostra equilíbrio. É corpulento e vigoroso, mas de uma maciez incrível, apresentando o caráter aveludado que é típico da Merlot em suas melhores representações. Uma textura sublime.
Existe uma leve e envolvente mineralidade, que revela a longa permanência da fruta na planta, neste solo não tão pedregoso assim lá da área dos Caminhos de Pedra, em Bento Gonçalvez, onde está o vinhedo desta pequena vinícola, resultado da parceria do Pedro Hermeto, do Aprazível, com os enólgos Luís Henrique Zanini, da Vallontano, e Álvaro Escher, que entrou para a História do vinho no Brasil ao criar, em parceria com o irmão, o mítico Cave Ouvidor.
O vinho é intenso, encorpado, com uma extração de cor impressionante, rara de ver, que tingiu o meu decanter, manchando-o de uma linda cor bordô, agora já desbotada.
Na taça, as lágrimas desciam lentamente, como óleo, apesar de o vinho ter apenas 12,5% de álcool, uma beleza.
No nariz, um baile de aromas: primeiro cereja madura, ameixa seca, alcaçuz, e um leve toque floral, e uma boa dose de especiarias. Os aromas vão desfilando na taça.
Em certo momento, o vinho me fez lembrar Shiraz e Cabernet Sauvignon, pela caráter apimentado, de especiarias. Em outro instante, me pareceu um Amarone, com aquela madurez, que lembra uvas passas, e outras frutas secas, como figo. Tem uma persistência enorme, e ainda me lembro dele com saudades.
Por fim, a acidez fantástica, que equilibra toda essa corpulência, dando profundidade e elegância, e me permitindo imaginar que este vinho vai chegar, fácil, fácil até os seus 15 ou 20 anos em plena forma, isso se restar alguma das e acho que atinge o auge com 10, 12 ou 15 anos. Está delicioso de beber, mas ainda jovem.
Na segunda, chega um e-mail na minha caixa postal. Era o Pedro Hermeto, do Aprazível, anunciando a novidade:
“O Steven Spurrier esteve nesse final de ano no Aprazível e demos pra ele uma garrafa do Merlot Era dos Ventos 2007, que ele levou pra casa pra abrir depois. Acabamos de receber dele a confirmação de que podemos usar e divulgar seus comentários a respeito do vinho, os quais encaminho abaixo para conhecimento de vcs.
‘Superb colour, dense black red; fine spicy black fruits nose, great density of flavours and texture that defies the 12.5abv, due to natural vineyard concentration, still quite tannic but also refreshing and seems to have the fragrance of an Angelus Cabernet Franc, a really elegantly controlled wine, very classy, good now and with a very good future.’
Achei que vcs iam gostar de saber disso.”
Muita coincidência. Escrevi entusiasmado para o Pedro, que me respondeu:
“O Merlot é o primeiro lançamento da vinícola feito com uvas próprias, colhidas no primeiro ano de produção (2007). Assim como o Peverella (e todos os demais produzidos pela Era), este vinho também segue nossa filosofia de intervenção mínima no processo de vinificação: fermentação em cubas abertas de carvalho francês muito velho, pouquíssimo SO² e leveduras indígenas. Estagiou em barricas novas de carvalho do Leste Europeu por 24 meses. Fizemos apenas 250 garrafas desse rótulo.
O vinho pode ser comprado no Aprazível, para ser levado pra casa, pelo mesmo preço da vinícola, que é de R$230. Para quem quer abrir a garrafa no restaurante, ele está na carta a R$255. A Roberta Sudbrack também colocou-o na carta, mas não sei preço deles. Além desses restaurantes, o vinho é comercializado no Rio pela Confraria Carioca.”
Vou te contar um segredo: se gostas de vinho, prove este. Se achar caro, chame cinco amigos, e divida a garrafa. Junto com o Cave Geisse Brut 1998, é o melhor vinho brasileiro que eu já provei. Modestamente, acho que esses são os dois únicos exemplares nacionais que se colocam no nível dos grandes vinhos do mundo. Mas virão outros, certamente.
Até hoje me lembro do sabor, da textura. Isso é que é persistência…