O restaurante não mudou de nome, mas só de lugar.
Porém, ganhou um sobrenome, reforçando suas vocações à enofilia.
A casa se chama agora Bazzar à Vins, e está a uns 100 metros de distância do endereço antigo: saiu do número 538 da Barão da Torre e foi para o 118 da Garcia d’Ávila.
Instalou-se em um chalé em estilo alpino, que andava na moda em Ipanema e leblon no início do século passado, quando foi construído, entre os anos 1910 e 1920.
O lugar é lindo, e tem uma clima praiano, meio carioca, meio Côte d’Azur. Parece que a Richard’s assina os conceitos estéticos, que combina uma equipe com elegante uniforme de linho cru com a arejada decoração, onde predomina o branco.
Os aspectos orgânicos aparecem nas plantas que esverdeiam alguns ambientes, no ramo florido que enfeita o guardanapo, no couro que reveste os sofás e na madeira-de-lei que vemos nos pisos, nas mesas e cadeiras, que vieram do antigo Bazzar, ganhando novas roupagens.
Mas também afloram tanto no menu, ainda bem enxuto, quanto na carta de vinhos, focada nos rótulos ditos naturais, orgânicos e biodinâmicos. A seleção criteriosa de rótulos foi feita pela própria sócia, Cristiana Beltrão, junto a seu sommelier, o argentino Ivo Arias, dos melhores profissionais do ramo. Provaram quase mil garrafas, para montar uma que é das melhores cartas de vinhos do Rio. Só coisa fina.
– Ainda estamos em sistema de soft opening, trabalhando só com reservas e com menu reduzido. Não que ele vá aumentar muito, mas um pouco. Teremos um novo cardápio a cada estação, destacando junto a ele alguns vinhos que sugerimos para aqueles pratos – diz Cristiana, que manteve a mesma equipe anterior, enriquecida agora com novos rostos, incluindo refugiados e antigos conhecidos, como sommelier Pedro Barcellos.
São vários ambientes. Além do salão principal, no térreo, se é que se pode chamar assim, pela tamanho pequeno, e do espaço que mostra a cozinha, no segundo andar, há ainda mais três recintos, os mais arejados: uma espécie de jardim de inverno, com jiboias e árvores frutíferas, e mais duas varandas.
– Em breve vamos ter um “raw bar”, com mesas na calçada e menu de ostras, com vários pescados servidos em forma de tartares, carpaccios e outras preparações que valorizam o seu frescos, com direito àquelas tradicionais torres, de três andares, com mariscos, crustáceos e peixes, servidos crus ou em cozimentos delicados, como no vapor – conta a empresária, globetotter gastronômica das mais antenadas, que está sempre trazendo tendências para o Rio, e este novo Bazzar à Vins está de cara e casa nova, para manter a sua filosofia de sempre: ser local, sustentável e vanguardista, tudo isso para ser cosmopolita como Ipanema: poderia estar em Nova York ou Londres seguindo esses mesmos conceitos.
A sustentabilidade permeia tudo ali. Desde o reaproveitamento da mobília quanto nas diversas cadeias produtivas que alimentam o restaurante, desde as roupas dos garçons aos fornecedores de alimentos e bebidas.
Estive lá numa bela tarde outonal na semana passada. Foi ótimos rever esta equipe querida, fora os amigos que lá encontrei, ao acaso, e mesmo o vizinho de mesa, com quem pude conversar. Fora isso, tive a sorte de passar parte do almoço papeando com a amiga Cris, o que não fazia há algum tempo, o que tornou o momento ainda muito mais delicioso.
Como tudo o que comi e bebi ali. De cara, uma taça de Cave Geisse Brut 2017, que dispensa apresentações: um clássico da nossa enologia, orgulho nacional. A manteiga é de Guapimirim, batida na casa, e vem com flor de sal. O que não conhecia ainda, só de nome, era o azeite Sabiá, mineiro, simplesmente dos melhores do mercado – pena que sejam tão caros o azeite. O couvert eu diria ser indispensável, com vistosas fatias grossas do pão de fermentação natural da casa. Pão com manteiga combina com espumante, podes crer.
Pedi, ainda um prato que escolhi logo que vi o menu, ainda na internet, a partir do Instagram da casa: @bazzar_a_vins. Era um ovo pochê, coroando um purê de feijão verde, que ganham a cremosidade e o sabor do brazuca queijo Piá Pé do Morro, da Serra do Japi (SP), fantástico exemplar de nossa produção. Puro aconchego, parece um abraço.
E também o peixe defumado, com coalhada e picles de fruta da estação, no caso, carnuda ameixa, com brotinhos de coentro fundamentais na exuberância do prato: azar de quem não gosta. O lombo de namorado, muito bem defumado por eles, estava lindo de se ver com suas guarnições, que jogavam acidez, perfume e suculência ao conjunto. Leve, delicado e muito saboroso, parece um beijo.
Foi à essa altura que a Cris se juntou a mim. E com nobre gentileza, foi até a carta de vinhos, destacado do menu principal, com selecionadas sugestões de bebidas para a estação. De lá, fisgou uma garrafa que eu acho um espetáculo, como tudo o que provo desta região francesa, rara de se ver por aqui: o Jura. Era o Arbois Les Gravières 2018 de Bénédict & Stéphane Tissot, sobrenome que – para mim – é sinônimo de vinho, e não de relógio. Faz vinhos precisos, desses que nunca erram. Cheio de fruta fresca e cítrica, não esconde seu trabalho de cave, com notável evolução de aromas, que vão de maracujá, maçã verde e pêssego, além de abacaxi em calda, até elementos minerais, condimentados e defumados, incluindo aí uma equilibrada oxidação, que lhe dá exuberância e complexidade. Um Chardonnay de excelência, amenteigado e largo na boca, que final longo e agradável, e uma generosa acidez.
Ele não foi escolhido à toa. Momentos antes de sugeri-lo, a Cris praticamente ordenou:
– Você precisa provar a carne cruda! – falou baixo, mas com clara exclamação.
Quando eu sem esforço acatei a sugestão, pedindo só para dividirmos essa entrada clássica, que muitos dizem ser o steak tartare do Piemonte. Mas, não é bem isso. A carne precisa ser de gado de carne delicada, vitelo ou novilho jovem. É cortada em cubos uniformes, quase do tamanho de um dado. O tempero não tem nada a ver: azeite e flor de sal, na maioria das vezes, e basta. Às vezes, entra apenas mais um ou dois elementos de contraste e sabor: no caso, foram alcaparrinhas desidratadas, que compuseram muito bem o prato, junto com um creme de anchovas, preparados com as excelentes sardinhas em conserva, tipo alici, que chegam da região de Ubatuba, e que recomendo que provem.
O vinho já vinha causando efeitos de felicidade instantânea, quase que uma gargalhada de alegria, com toda a sua majestosa exuberância. Um vinhaço. Mas, aí… Quando chegou o tartare, mostrou uma outra de suas (mais importantes) virtudes: se combinar com a comida. Carne com vinho branco? Quem disse que não pode está falando bobagem: não haveria um tinto melhor para este prato.
Pulei a sobremesa, infelizmente tinha pressa para um encontro de trabalho. Não foi ruim, porque o mais cedo possível eu volto, para mais uns momentos de puro prazer. Tem um peixe do dia, com pele, servido com molho de fígado de galinha, cuja surpreendente composição de sabores já posso imaginar. E também um arroz meloso de frutos do mar, que me deixou a pensar nele.
Das sobremesas, quero voltar a tempo de ainda pegar a temporada de caqui, para provar a fruta e seu sorbet perfumados por manjericão.
Terminei apreciando o delicioso Vermute da casa, preparado em três versões: peça assim, geladinho. Foram meses e meses de testes até chegar ás três fórmulas.
Como se vê, o Bazzar à Vins afinou a sua própria filosofia, buscando servir uma cozinha simples, com poucos elementos em cada prato, valorizando cada um deles, os detalhes, o frescor, os ingredientes locais e sazonais. É aquela coisa de estar sempre mudando, para continuar igual.
Tudo isso me fez lembrar de Da Vinci, que disse com sábia propriedade: “A simplicidade é o mais alto grau de sofisticação”. Esta ensolarada tarde de abril, que agora recordo com gosto e alegria, é a prova disso.
O Bazzar à Vins, bem-vindo de novo! Foi muito bom lhe (re)conhecer. Até breve.
1 comentário
Louco p (re)conhecer! Queremos seguir esse menu aí! Suas descrições abrem o apetite. Beijos!