Vale de Casablanca, no Chile: onde brilham tintos e brancos

Todas as manhãs a neblina cobre e protege os vinhedos baixos baixos do sol – Foto de Bruno Agostini

Saímos bem cedo do hotel, em Santiago, por volta das 7h. Tomamos o túnel que desafogou ao trânsito na zona central da cidade rumo à Ruta 68, caminho que leva até a cidade costeira de Valparaiso, com desvio até o Vale de Casablanca, que está a meio caminho entre as duas cidades.  São cerca de 90 quilômetros entre a região vinícola e a capital chilena, trajeto que dura entre 1h15 e 1h30.

O dia estava ensolarado, bem claro, sem muitas nuvens. Até que entramos na estrada menor, em descida suave, que nos leva até Valparaiso, passando por Casablanca. A neblina densa surge ao longe, como acontece ali, dia sim, o outro também. É justamente esta névoa que marca o caráter da paisagem, e dos vinhos locais. Características climáticas muito particulares, que são muito apropriadas para a produção de vinhos aromáticos, com uvas brancas, de uma maneira geral, e de outras que gostam de climas mais frescos, como Sauvignon Blanc, Riesling e Pinot Noir.

Logo entramos na massa nebulosa, escureceu, e perdemos a visibilidade da estrada que é bonita como geralmente são as zonas vinícolas. Chegamos à Vinícola Casablanca, ainda enxergando muito pouco dos vinhedos. Víamos as rosas no início de cada fileira, e mais alguns metros de vinhas.

No final da manhã o calor do sol desfaz as nuvens – Foto de Bruno Agostini

Durante quase toda a manhã as plantas ficam preservadas do sol, protegidas pela névoa densa. Só por volta das 11h o calor começa a dissipar a neblina, e essas condições fazem, por exemplo, algo raro de se ver: as uvas brancas ficam plantadas nas partes mais baixas, enquanto as tintas, que recebem primeiro o sol matinal, ocupam as encostas mais elevadas. Mas mesmo com a insolação forte que avança pela tarde, outra questão geográfica favorece os vinhos produzidos ali: a proximidade com o mar. Os vinhedos ficam a poucos quilômetros do Pacífico, que joga os seus ventos gelados para refrescar as uvas. Neste processo, são produzidos ali alguns doa vinhos sul-americanos que mais gosto, os melhores para se beber no verão, além dos nossos espumantes brasileiros.

Além disso, pela proximidade com a capital, é a melhor região vinícola para os que estão em Santiago, depois do Maipo (está é imbatível, porque além de se chegar de metrô até a área, ali estão algumas das principais bodegas do Chile, as mais antigas, com os seus prédios históricos e tours muito bem montados, com ótima estrutura para acolher os visitantes).

Antes de dar prosseguimento à série, com mais três reportagens sobre a região (os vinhos, as visitas às vinícolas e uma escapada até Valparaiso), deixo o link para algumas matérias antigas, que ainda estão com informações valendo.

OS VINHOS

Na sala envidraçada começamos a prova, uma exemplar panorâmica sobre o vinhos da casa.

O Valle de Casablanca, como já dissemos antes, tem características geográficas bem particulares, devido à sua topografia montanhosa e a proximidade com as águas geladas do Pacífico, combinado com um clima seco e ensolarado na época de maturação das uvas, a partir do final da manhã.

Parte da linha da Viña Casablanca – Foto de Bruno Agostini

Ali nascem alguns dos melhores e mais aromáticos vinhos brancos do Chile, com destaque natural para a Sauvignon Blanc, mais elegante do que de outras partes, sem o incomodativo e forte aromas de ervas e arruda, mas também tem ótimos vinhedos plantados com variedades de sotaque alemão, como a Riesling. Entre as uvas tintas encontramos as mais tradicionais no Chile, com predomínio da Pinot Noir, que ali se mostra mais fresca e equilibrada, sem apresentar vestígios de outro aroma chato do Chile, aquela goiabada que caracteriza a maioria dos vinhos feitos com esta uva no país. Mas há também encostas cobertas com Cabernet Sauvignon, Carménère e a Shiraz, esta última a minha tinta preferido naquelas terras, junto da Pinot Noir.

Vinhedos de uvas brancas encobertos – Foto de Bruno Agostini

Quando iniciamos a degustação, por volta de 9h, a névoa ainda cobria os vinhedos. Fomos naquela sequência lógica, começando com o Nimbus Single Vineyard Sauvignon Blanc, bem enquadrado no perfil da variedade, fresco, aromático e com acidez lá em cima, bem cítrico e suculento, com bom corpo resultado da battonage.  Aquela garrafa perfeita para frutos do mar, desde ostras e peixes crus, com pouca interferência no seu sabor original, até em preparos bem condimentados, típicos de países asiáticos como a Tailândia e o Vietnã.

Já o Cefiro Reserva Chardonnay, apesar do nome que sugere isso, não passa por madeira, e assim consegue se manter mais fresco e cheio de fruta. Pode ser encontrado hoje na faixa dos R$ 60, ótimo preço no cenário atual.

Chegamos aos tintos, primeiro com o Pinor Noir, o Nimbus Single Vineyard tem aquilo que gostamos nesta uva, o frescor e a falsa leveza, resultado de boa acidez com taninos firmes, mas sedosos e delicados. Quando jovem mostra muita fruta e certo jeito selvagem. Fica mais elegante a partir dos cinco anos, e assim ganha notas terrosas, algo de trufas negras, e muita cereja. (Vale, ainda, provar o Pinot de Cerro, com uvas plantadas em encostas, o que geralmente não acontece com esta variedade em Casablanca, já que as partes mais altas são reservadas a Shiraz, Carménère, Cabernet e Merlot, uvas mais cascudas, e que aguentam melhor o sol.

Shiraz lá no alto – Foto de Bruno Agostini

O Cabernet Sauvignon Reserva Cefiro e o Nimbus Single Vineyard, se por um lado são vinhos bem feitos, com acabamento correto, não chegam a me empolgar. Ao contrário do Neblus 2011, um Shiraz com 10% de Merlot, que mostra um perfil mais fino, mineral e condimentado, do tipo que nos remete aos ótimos exemplares do Alto Rhône, o melhor tipo de vinho para um churrasco, aquele estilo que vai bem com tudo o que é feito na brasa, e que se encaixa bem desde carnes mais delicadas, e até aves, como coelho, codorna e um belo frango assado, até pato, cordeiro, cabrito e porco, além dos cortes bovinos os mais variados. É um coringa para a carnes, churrascadas e afins.

Por volta de 10h30, 11h, subimos a encosta. Chegamos lá em cima e as vinhas mais altas já recebiam timidamente os raios de sol, que ainda não tinham nem mesmo secado as uvas e as folhas do orvalho. Lá em cima, as uvas mais “fortes”, como Shiraz.

Pinot Noir pegando um bronzado matinal, a partir das 11h, diariamente – Foto de Bruno Agostini

Lá embaixo, as mais delicadas, como as brancas, e a Pinot Noir. Ainda estava fresco por ali (era final de abril). Lá embaixo, a névoa ainda estava densa, protegendo totalmente as uvas do sol. Como se os anfitriões tivessem cronometrado o tempo, os dez minutos que ficamos lá em cima foram suficientes para o calor dissipar as nuvens. E assim, só perto do meio-dia as uvas de Casablanca começam a receber os seus primeiros raios de sol, protegido pela neblina (daí os nomes dos vinhos desta bodega, que pertence ao grupo Santa Carolina). E quando isso acontece, a brisa fria do Pacífico começa a soprar (resultado da corrente de Humbolt), refrescando a vinha. O solo é seco, bem drenado, com uma formação complexa,  e as raízes vão fundo buscar nutrientes, ganhando complexidade já na fruta. Essas combinações explicam porque o Vale de Casablanca tem um dos mais altos níveis de produção quando se fala em Chile. Quase tudo o que sai de lá pode ser classificada de bom pra cima.

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TURISMO NAS VINÍCOLAS

Incluindo a região de Santo Antonio, vizinha, são mais de dez vinícolas abertas aos visitantes. É possível ir por conta própria, de ônibus (leia aqui), com motoristas privados (vale para grupos de amigos) ou ainda contratando um tour no próprio hotel. É possível gastar o dia inteiro por lá, inclusive por algumas vinícolas têm ótimos restaurantes. Quem quer uma imersão mais profunda nos vinhos de Casablanca pode até ficar em algum hotel, e não haveria falta de vinícolas para se visitar, em tranquilas estadias de até três dias.

A Matetic: excelente estrutura de visitação, que inclui hotel e restaurante – Foto de divulgação

Neste caso, a Matetic é uma das que tem a mais completa estrutura, com hotel e restaurante. Entre os programas disponíveis aos visitantes, há cavalgadas e passeios a pé, de bicicleta ou de van, além de diferentes tipos de degustação.

O restaurante Equilibrio (no momento, em obras que terminam em breve) é um dos melhores do pedaço, e o hotel La Casona tem oito quartos confortáveis, numa construção campestre típica, com mais de 100 anos, e remodelada em 2004.

Pioneira na região de Santo Antonio, a Casa Marin não apenas produz alguns dos mis interessantes vinhos do Chile, com excelentes Riesling, Sauvignon Gris e Shiraz, entre outros. Uma linha de alto nível. Quem quer exclusividade pode se hospedar na Villa Casa Marin, com capacidade para até quatro pessoas. No Vinobar Cipreses é possível fazer degustações e atraentes refeições harmonizadas com menus sazonais.

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VALPARAISO

Um programa clássico dos brasileiros que visitam o Vale de Casablanca é o restaurante Portofino, em Valparaiso.

Portofino: lindas vista e excelente comida – Foto de Bruno Agostini

Vários amigos já foram, e o lugar é bem elogiado, pela vista, pelo ambiente, pelos vinhos, pelo serviço e – o que é mais importante – pela comida, com foco nos peixes e frutos do mar, o que fica ainda mais gostoso quando saboreados de frente para o Pacífico, onde são pescados, sempre bem frescos.

As entradinhas do Portofino – Foto de Bruno Agostini

Melhor que isso, só mesmo a influência italiana na cozinha…

Ali pela primeira vez na vida eu realmente gostei do loco, um crustáceo alto, grande, meio duro – cuja carne de sabor não muito forte sempre se mostrou para mim muito borrachuda. Não no Portofino, onde foi onde a iguaria foi servida já cortada em rodelas, com maionese (bem boa, parecia caseira) e uma saladinha.

O salão do restaurante, clássico de Valparaiso – Foto de Bruno Agostini

Depois, o “polpo ai olivo”, “laminas de pulpo marinado, en salsa de aceitunas cítricas en cama de lechuga lollo green”, e um copinho de limão, ao lado de um ceviche na colher.

E tome Nimbus Chardonnay, e Cefiro  Sauvignon Blanc…

Cipini tutto mare: delícia – Foto de Bruno Agostini

Em seguida, o “Cipini tutto mare”, segundo o menu “selección de mariscos premium cocidos al vapor, ceviche del día, acompañado de tres tipos de salsa”, a melhor pedida da tarde, não só pelo ceviche dos melhores, mas também pela travessa com frutos do mar, em preparo na medida exata.

Peixe do dia: ótima combinação – Foto de Bruno Agostini

O principal foi um peixe do dia, bem grelhado, com molho cremoso e acolhedor, que também lambuzada raviólis caseiros de cogumelos. Uma lindeza.

Para arrematar, com um copo do Cefiro Pinor Noir.

 

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