Quando o Chile conquistou fama com seus vinhos tintos parrudos, de inspiração bordalesa, o país inteiro foi em busca de produzir volume e qualidade, seguindo esse estilo que estava em alta no mundo – Robert Parker que o diga.
Assim, eles viraram referência internacional, um notável trabalho de enologia e marketing. Mas, as coisas mudam, e com o tempo as pessoas foram ficando um pouco cansadas desses rótulos pesadões, alcoólicos, cheios de madeira e taninos.
É uma tendência atual a busca por vinhos mais leves e delicados, macios, com menos álcool e mais e frescor. Pouco ou nenhum uso de carvalho, fermentações selvagens sem controles de temperatura e um trabalho cuidadoso na vinha, para extrair frutas sadias e no ponto exato de colheita, equilibrados nos níveis de açúcar e de acidez, com maturação ideal de cascas e sementes.
Dá trabalho. Mas, compensa. Neste novo cenário do vinho chileno, podemos encontrar vinhos com uma delicadeza impensável. Vinhas antigas contribuem com este movimento, que também é um pouco de resgate de castas que andaram um tanto esquecidas por lá, como as francesas Carignan, uma categoria à parte dentro do país, com muitos resultados exuberantes, e Cinsault.
São uvas do Sul da França, solares, assim como solar é o Chile, e seus desertos. Adorei em almoço recente, no Si-Chou, provar o Cinsô 2021, um tinto da Luis Felipe Edwards, resultado das uvas de vinhas velhas, do Vale do Itata, uma das mais ao Sul do país.
O vinho é uma delícia para ser apreciado nos dias quentes, saindo diretamente do gelo. Tem muito frescor, um nível de acidez e de taninos que lhe permite ser servido fresquinho. É um monte de fruta no aroma, aquele buquê de morangos, framboesas e amoras que todo mundo gosta. Tem algumas especiarias e outras notas botânicas, de ervas aromáticas e de flores, como rosas.
Tem 13% de álcool, num resultado harmonioso e delicado. Fino, bom para comer, ou para beber como se fosse suco preparado na hora, numa tarde quente de verão. Me lembrou vinhos do Jura, um Poulsard despretensioso, mas com preço de Chile mesmo: custa R$ 79 no site da Onivino: (neste link aqui). Está aí um exemplar com excelente preço! #vaipormim
No almoço, se destacou, mostrando aptidão para se combinar com pratos asiáticos, com acidez e pimenta, como as asinhas de frango glaceadas, que ainda tinham outro elemento de integração: a gordura. A acidez do vinho cumpriu a missão de limpar a boca, para renovar o paladar.
Ele também escoltou com correção, em seguida, um curry cremoso do mar, mostrando um perfil de tintos que são muito versáteis à mesa. Esse, pode atuar como coringa, substituindo um Borgonha simples, descontraído, assim como alguns rosados provençais, e acredito também em um bom resultado em conjunto com saladas complexas, como de peito de pato curado com folhas e vinagrete; as asiáticas, como um todo, e aquelas que usam grãos e peixes em conserva, como a italiana tonno e fagioli e a portuguesa combinação de bacalhau com grão-de-bico.
Em termos gastronômicos é um vinho que eu gostaria de ter à mão em um churrasco, e fico imaginando como ficaria bom com um prato de charcutaria. Se fosse pensar numa carne no braseiro ideal para ele seria uma bela kafta, muito bem temperada, porque este vinho se casa muito bem com especiarias, como um todo.
Também penso que seria feliz tendo esse vinho nas mãos em um banquete mineiro numa fazenda: linguiças, bistecas e leitões, feijão tropeiro, torresmo, pernil desfiado: isso tudo se encaixa como uma luva aqui neste Cinsault sincero, e delicioso. Glou-glou total! Imagine só que bom seria sentar no Café Palhares, em BH, e pedir o seu lendário Kaol com uma garrafa dessas? Ou mesmo no Aconchego Carioca, com seus bolinhos de feijoada…
Vinho bom não é pra beber: é pra comer, entendeu?