Tudo é raro e especial na Padella Trattoria, inclusive os ingredientes e os pratos clássicos italianos

Que tal essa iguaria: tinha coragem? – Foto de Bruno Agostini®

Consegue identificar o que é isso espetado no garfo?

Quando eu vi pela primeira vez, em um prato, achei estranho o formato. Parecia familiar. Mas não identifiquei. Foi o seu sabor, que absorveu o caldo que o afogava, e a sua textura que me fizeram achar se tratar de um cogumelo – até porque havia outros na panelinha de cobre que o trazia, e ainda por cima era outono – época de tartufo bianco, funghi del bosco e muita comida maravilhosa como essa.

Eu estava no restaurante La Ciao del Tornavento, um dos melhores da região do Piemonte, no Norte da Itália, terras das trufas brancas de Alba, dos cogumelos porcini e de tantas delícias.

Foi sugestão de um amigo, o prato e o lugar, então li o menu, entendi em parte, mas o que importava era que ele havia garantido que eu iria amar La Finanziera, porque sabe que

Escrevi assim, numa reportagem sobre a região: “La Ciau del Tornavento, para ver a vista da varanda no pôr-do-sol e provar outra especialidade piemontesa, a finanziera, receita típica do outono-inverno que combina ingredientes como timo, cérebro e coração de vitelo, crista de galo e fígado de porco, entre outros miúdos, com ervilhas, cogumelos e cebolas, num molho delicioso feito com vinho e servida em uma pequena caçarola de cobre”.
(Para ler a matéria “Alba, e a temporada de trufas brancas: onde comer na região de Barolo e Barbaresco?”, clique neste link)

É sabido que as extremidades das galinhas tem muito valor na cozinha, com seu colágeno, seu conteúdo naturalmente gelatinoso que entrega textura aveludada aos molhos, e que também aportar seu sabor – verdadeiras joias, amadas pelos chefs. Os pés de galinha são muito utilizados na cozinha, quase sempre para enriquecer caldos. Mas, e as cristas? Aqui no Brasil não se usa.

Mas, o Nello Garaventa usa.

A crista de galo, em primeiro plano, com cogumelos, endívias e o timo: sensacional resume – Foto de Bruno Agostini®

A sua Panelinha de Timo de Vitelo Grelhado com Riso al Salto é um monumento. Assim descrito no menu: “(Risotto crocante) com Timo, Cogumelos, Endívias e Crista de Galo em Molho Escuro de Marsala”.

Como se vê, tecnicamente não é La Finanziera. Mas parece muito, e pra mim me pareceu a mesma coisa, a igual paleta de sabores, as texturas idênticas, o soberbo prazer em cada garfada.

O corredor da casa na Rua Conde de Irajá – Foto de Bruno Agostini®

DEMORA RECOPENSADA: PARTE 2*Este almoço aconteceu há duas semanas, exatamente numa sexta, na @padellatrattoria do chef @nellogaraventa – em Botafogo. De cara, já adianto que foi um erro demorar um ano para visitá-la.

Demorei a escrever porque sou incapaz de descrever bem aquela refeição.
Quem me conhece sabe que sou louco pela cultura italiana, e sobretudo a sua cozinha. Seus vinhos também.
Igualmente os mais chegados estão carecas de saber que dobradinha, língua, rabada, animielle (pra usar o nome italiano) e outras carnes do tipo, dessas que uns estúpidos dizem ser menos “nobres, são capazes de me emocionar (quando bem preparadas).
O preparo de molhos carregados de sabor também me chamam a atenção. Muito. Fazer molho é uma arte. O chef saucier é o mais importante na hierarquia de uma cozinha, penso eu, depois do chef e do sous-chef.
Livros são outra paixão.
Além disso, aprecio lugares bonitos.
Tudo isso encontrei ali, de modo muito apurado. Já é dos meus restaurantes preferidos. No mundo!
Comecei essa inesquecível (mesmo, não é retórica nem exagero) refeição com uma dobradinha em molho de tomate com queijo que é algo tão delicioso que… sei lá, só posso dizer que foi a melhor dobradinha da vida. Nem precisava de pão tão bom.
Depois, bottoni de língua, uma massa verde miúda e delicada, em formato de botão – daí o nome. Caraca… difícil explicar. Além do recheio de tão intenso e especial sabor, preciso destacar o molho, que a exemplo do prato anterior, chegou ao ápice, ao cúmulo do sabor. Nada pode superar, e igualar já me parece por demais difícil.
Mas… o melhor ficou pro fim. Melhor pra mim, veja bem. Era uma panelinha perfumada de cobre, que trazia o que considero um dos melhores pratos que podem existir no Brasil, dos melhores de meus 47 anos de vida. No molho espesso e de inigualável textura, feito com Marsala, havia cogumelos, endívias, animielle e crista de galo. Se você nunca comeu crista não desperdice essa chance. É claramente uma finanziera, prato típico do outono do Piemonte, que me dava tanto prazer quanto as trufas brancas de Alba, quando passei uma temporada por lá. Existir aqui essa receita no menu regular de um restaurante é algo que nunca imaginei.
Obrigado.

SERVIÇO
Padella Trattoria: Rua Conde de Irajá 115, Botafogo. Tel.: 3936-3351. Instagram: @padellatrattoria

* Este post foi escrito para o Instagram @brunoagostinifoto

Leia também:
DEMORA RECOPENSADA: PARTE 1*

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