Rabada é vida. Seja em sua versão mais clássica e difundida por aqui, com agrião e batatas cozidas (o primeiro ajuda a quebrar a gordura e a segunda absorve o molho, criando um conjunto impressionantemente delicioso e equilibrado) seja em forma de arroz ou em variantes, digamos, mais autorais. Como a que o chef Felipe Bronze serviu no Oro, um dim sum recheado com essa carne que é das mais saborosas que existem: essa versão ficou na memória. Bronze faz muitos pratos com rabada, mas nem sempre vai ter – os menus mudam muito. Fomos lembrando, lembrando… Até que chegamos a 22 lugares que recomendo, com entusiasmo, a rabada, em suas mais variadas formas. Se continuasse a forçar a memória lembraria de mais, achei que era hora de parar (queremos suas indicações).
Outra forma muito comum e deliciosa de encontrar a rabada é desfiada e prensada, num processo que elimina quase que totalmente a gordura (uma das chaves do sucesso de um prato com essa carne é a paciência de fazer um primeiro cozimento, deixar por algumas horas na geladeira, e tirar com uma colher a gordura que sobe e se solidifica: se não for assim, vai ser sempre um prato pesadão, ainda que muito saboroso).
A versão servida no restaurante Alvorada, em Petrópolis, não só merece menção como vale a viagem até Araras, em Petrópolis. Prensada, com certeiro molho poivre, é assada e finalizada no forno a lenha, especialidade do chef Paulão, figuraça que por si só vale a viagem.
Enquanto isso, no Bar Redentor, em Ipanema, o preferido dos taxistas, o prato é servido às segundas, quartas e sábados. Com agrião e batatas.
Já um monumento tombado da gastronomia botequeira do Rio, a polentinha coberta com rabada desfiada do Bar da Gema é a glória em forma de prato. Um dos meus petiscos preferidos.
Uma das melhores versões de rabada que eu provei foi no Irajá Gastrô. Coisa de louco, e só de lembrar fico emocionado: como é bom, que receita certeira do chef Pedro de Artagão: ravióli chinês de rabada ao creme de queijo (pode me chamar de deliciosa fusão Brasil-Ásia) – fiz um post sobre o meu último almoço lá.
Por falar nele… No restaurante Cozinha Artagão ela vem em forma de arroz meloso, com cremosidade na medida certa, grãos íntegros.
No MAM, também em forma de arroz incrivelmente bom, ele faz parte da seção “Clássicos do Laguiole Lab”. Impossível resistir.
O socarrat, que o chef Pedro Siqueira, do Puro, chama (brasileira e simpaticamente) de arroz pegado, está na moda. Trata-se de uma técnica espanhola difícil de fazer (tentei umas quatro vezes e – ainda que estivesse ótimo em sabor, não cheguei a esse ponto, tostadinho, e que podemos enrolar como omelete). No caso, além da rabada desfiada, o arroz é preparado com kimchi e é coroado com ovo de gema mole. É uma loucura, as fotos falam por si.
(Ao ler o post, meu amigo André Martins, dos caras que mais entendem do assunto, fez uma observação muito pertinente: “Socarrat é difícil mesmo. Mas esse daí do Pedro, nem é tão socarrat. Socarrat o Bronze faz no Pipo. É aquele que fica pegadinho no fundo. Esse aí é meio aquele que o Quique da Costa chama de arroz a banda. que ele vira, fica perecendo um canelone, com uma crosta por fora crocantezinha, pegada e por dentro no ponto normal. Que é, obviamente, uma evolução do socarrat, só uma forma de servir mais aprimorada”).
O mesmo acontece no Aconchego Carioca, mas usando miniarroz. Não tenho maturidade para isso, e sou incapaz de eleger a melhor (parece que na casa de Katia Barbosa tem uma espécie de croquete, com a carne prensada, mas não me recordo de ter provado. Porém, posso citar aqui, porque não lembro de ter comido nada de que não tenha gostado nesse que para mim é o melhor restaurante brasileiro do Rio). Certo é que temos ali um filho do famoso e icônico bolinho de feijoada: trata-se do bolinho de feijão branco recheado de rabada. Quem não provou não pode imaginar o que é.
Ultimamente tenho visto muitos risotos (não confunda com arroz, são parecidos, mas diferentes) de rabada com agrião, e costumam a ser muito bons, como o que é servido no Málaga, no Centro – que também prepara rabada com batata e agrião.
– Preparo dos dois modos, mas agora, devido aos feriados e ao calor, só voltamos a servir em março. O risoto fazemos diariamente, e com batata e agrião. É um dos pratos do dia das quartas – conta o maître Augusto Vieira, regente da casa.
Também parece estar na moda ela chegar recheando pastel. Já comi algumas vezes, amante que sou da rabada, mas não estou lembrando exatamente onde. Com uma exceção: no Hop Lab Pub, na Praça da Bandeira, foi o ponto alto de minha única visita a este ótimo bar cervejeiro. Par fazer jus ao tema da casa, a rabada é cozida lentamente na cerveja stout, e recheia o pastel bem frito, servido com molho de agrião. Ai, meu Deus do Céu…
No Giuseppe Grill, por sua vez, há a panelinha de rabada com porcini e purê. No Garden também tem panelinha, com polenta e agrião (outra versão clássica do prato, com o purê de fubá em lugar da batata: faz todo o sentido).
Não é uma regra exata, mas tenho em mente que quarta é quando a rabada é o prato do dia – pelo menos em dois dos bares que servem as melhores refeições que conheço do gênero clássico: o Osbar, no Centro, e o Brewteco, no Leblon. O mesmo acontece na querida Adega do Cesare, ali entre Ipanema e Copacabana.
Nem sempre é o prato de quarta: às sextas, rabada com agrião é a pedida do dia em dois clássicos do Leblon, o Alvaro’s e o Degrau.
Outros lugares que me recordo de ter comido rabadas memoráveis em dois botecos que são emblema de Copacabana (embora o primeiro seja, injustamente, mais famoso que o segundo): Pavão Azul e no Aboim – na minha opinião, este segundo serve os melhores PFs do Rio (e a rabada é servida às quartas e domingos: vá até lá e me diga).
Não posso esquecer do Galeto 183, o Bar da Dona Ana, única coisa de que sinto falta dos tempos em que trabalhei n’O Globo (ao lado do jornal, com ótima comida e bons preços, comia lá toda semana). Também às quartas, a rabada estrela o menu. Mas tem dia que divide o protagonismo: pra mim, ela brilha mesmo como item mais nobre e saboroso do angu à baiana, uma maravilha (ela herdou a receita do lendário Angu do Gomes, que ostenta orgulhosamente na parede). O prato é servido só às sextas. Um legítimo angu à baiana: polenta mole, pimenta – não pode faltar – e uma espécie de ragu fabuloso preparado com coração de boi, rabada, paio e outras deliciosas iguarias de botequim. Salivo só de lembrar…
Sei que a rabada é tão adorada pelos cariocas que em Piedade existe um restaurante chamado Casa da Rabada. E que estou doido para conhecer.
Para encerrar, essa lista não pretende dizer que essas são as MELHORES do Rio com todas as letras. São as melhores para mim, e as que fui capaz de lembrar e de conhecer. Afinal, são quase 40 anos de devoção a esse prato.
Eu preparo em casa (fiz umas três vezes, na verdade, a minha versão da rabada com agrião e batata). Faço massa caseira com ovo caipira para ficar bem amarelinha, e recheio com purê de batata cremoso, com toque de cebolinha francesa. Sim, no Leste Europeu e outras áreas de forte influência judaica, é o que conhecemos como varênique. Sirvo com ragu de rabada e pesto de agrião. É uma coisa de doido. Modéstia à parte.
Mas e para você? Faltou alguma rabada nessa numerosa lista? Conte para a gente.
ATUALIZAÇÃO – 19/01/20
Curiosamente, no dia seguinte ao post, fiz uma varredura nas fotos do meu celular, para organizar, pensar em posts futuros etc. Eis que encontro uma das rabadas de que mais gostei de provar (foi o prato deles no Comida de Boteco do ano passado). Chama-se rabada na lata. É servida no bar Desacato, no Leblon. Olha isso. Polentinha crocante para servir de base, aioli de agrião com bacon defumado e uma cumbuquinha com rabada desfiada para a gente montar o petisco). Um luxo.
Fora isso, duas pessoas já me indicaram a rabada do bar Varnhagem, na Tijuca. Vamos ter que provar. Se aprovada, entra aqui nessa atualização.
2 commentários
Bela lista!
Nos quesitos simplicidade e sabor, a rabada do Bar Varnhagem vale a visita!!!
Boa. Já é o segundo que diz isso, o outro foi Facebook. Tenho que ir lá. Tem todo dia? Abraço.