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Gosto muito quando o restaurante propõe que a refeição seja um passeio pelo local. Tipo. Você começa com um drinque de boas-vindas e canapés numa mesa do jardim, ou na varanda, na adega, no bar. Depois, é encaminhado até a mesa. E, quem sabe, na hora do café as mignardises com taça de Tawny 20 anos sejam servidos num outro ambiente. Muitas das melhores refeições de minha vida aconteceram assim, obedecendo a esse ritual de reconhecimento de terreno. Foi assim um jantar memorável no restaurante La Vague d’Or, no hotel Résidence de la Pinède, em Saint-Tropez, cujo chef, Arnaud Donckele, que foi eleito no ano passado pela revista francesa Le Chef como o melhor do mundo. Seguramente pelo conjunto da obra – a comida impecável, o lugar deslumbrante, a louça linda, o serviço preciso e simpático, a escolha das bebidas acertada – foi uma das melhores refeições de toda a vida. Até a meteorologia colaborou.
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Um parêntese. (A revista divulgou no final do ano passado o seu ranking dos 100 melhores chefs do mundo e entre eles, em 67º lugar, está Felipe Bronze. Ele, que é o único carioca do grupo, é dono dos restaurantes Oro e Pipo – restaurante mais informal, que migrou para São Paulo, onde será inaugurado em breve no Museu da Imagem e do Som (MIS). Alex Atala, dono do D.O.M e do Dalva e Dito, é o outro brasileiro que também está na lista, ocupando a 44ª posição. O primeiro lugar foi concedido ao francês Arnaud Donckele, que comanda a cozinha do hotel La Résidence de La Pinède, seguido pelo também francês Michel Troisgros – irmão do nosso “querrido” Claude Troisgros -, consagrado por seu trabalho no restaurante da família, o Maison Troisgros.)
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Jantar no restaurante La Vague d’Or, no hotel Résidence de la Pinède, é um ritual. Delicioso. O procedimento deve começar o quanto antes, fazendo uma reserva com boa antecedência. E deve-se, também, reservar um bom capital, porque os menus degustação custam entre € 295 e € 340. Quando estive lá, no auge do verão, escolhi o “La fugue en Provence”, o menu provençal de pescados, por exemplo, sugestão do maître, que era o mais curto, e custava € 245, me era todo baseado em pescados (mas consta que o chef tem talento com carnes, massas e tudo o mais). Mesmo a este preço, o lugar fica lotado todas as noites, ainda mais no verão, quando a cidade está fervilhando. Consegui uma mesa dois dias antes através do concierge de um outro hotel na região, La Chèvre d’Or, em Éze — este é sempre um bom recurso para se conseguir vaga em restaurantes concorridos, incluindo oferta das melhores mesas e um serviço especialmente atencioso. Para confirmar o meu lugar, tive que dar o número do meu cartão de crédito (se não aparecesse, pagaria uma taxa de € 150).
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Instalado à beira-mar, na estrada que leva a Saint-Tropez, a uns 15 minutos de caminhada do centrinho da vila, tem três estrelas Michelin desde 2013, e foi justamente a conquista da máxima honraria da gastronomia mundial que me levou até lá (foi o mais jovem chef francês a ter as três estrelas). Foi o único restaurante naquele ano que tinha passado de duas para três estrelas, e ao saber disso, chegando à França a caminho de Saint-Tropez e outras cidades da Riviera Francesa, da Côte d’Azur e da Provence, eu resolvi ir lá conferir se tinha sido merecida a terceira étoile, até para usar como gancho na reportagem que era a razão de eu estar ali.
Resumindo: foi uma das refeições mais marcantes de toda a vida. A terceira estrela, sim, foi conquistada muito merecidamente. Tive um jantar memorável, marcado pelo frescor dos ingredientes, pela técnica precisa aplicada em cada prato e pelas pinceladas autorais do chef, Arnaud Donckele, que trabalha amparado por uma equipe que cuida perfeitamente do serviço, do início ao fim.
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O ritual, quando a meteorologia permite, e torça para que isso aconteça, começa do lado de fora, nas mesas espalhadas pelo jardim, com vista para o Mar Mediterrâneo e o fluxo de iates cruzando as águas. Já são 20h, e o sol brilha, caindo lindamente no mar, tingindo o céu. Com a contribuição da Natureza, o maître e sommelier apresenta os menus e a carta de vinhos. Peço uma sugestão de rosé, e ele me traz o refrescante Suvé du Vent, que acompanhou com brilhantismo o amuse bouche, enquanto os outros comensais iam chegando.
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Eram várias diversões para a boca: pão siciliano, de massa finíssima, delicada e crocante, com ervinhas e flores provençais; marshmallow salgado, uma espécie de tempurá de cavaquinha e uma casquinha de ovo recheada de lagosta, trufas, vegetais da Provence e alcachofra. Tive a certeza de que o jantar seria daqueles inesquecíveis.
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Quando a paisagem estava em seu ápice de beleza, o maître perguntou se eu queria ver a carta de vinhos. Olhei só por olhar, pedi uma sugestão de branco de até € 100, e ele me sugeriu o Château La Calisse 2011 (€ 80), de Patricia Ortelli, belíssima escolha, que acompanhou a refeição à altura. Depois de aberto, foi acomodado em cestinha de prata, bem elegante o serviço, sem ser pomposo ou esnobe.
— Quando o senhor quiser, a sua mesa está pronta.
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Sem pressa, lá fui eu. Até o pão, com tomates e mozzarella, servido logo que me acomodei, deixou saudades.
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Em seguida, o primeiro prato do menu em cinco etapas: um xaréu-preto peixe fresquíssimo com molho cremoso e delicado, com aspargos tenros e uma saladinha de rúcula guarnecendo.
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O molho veio numa garrafinha, e eu adoro essas finalizações na mesa, ainda mais quando a equipe bem treinada o faz de maneira bonita e elegante, como foi o caso.
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Num pote de pedra, uma espuma leve e muito aerada chegou coroada por caviar uma uma farofinha crocante.
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Outro prato que me deixou desconcertado foi a corvina com lâminas de lagosta em ragu de cogumelos morilles. Quase me levantei para aplaudir… Fiz isso mentalmente.
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King crab com um peixe branco em crosta de tinta de lula, com o melhor e mais macio aspargo que já comi foi o último prato salgado.
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A pré-sobremesa foi uma composição de queijo, pura delicadeza, com brioche.
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Confesso que não lembro dos doces. Mas lembro, sim, de serem deliciosas.
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Mas, ao final de tudo, com o café, veio um serviço que adorei. Balas de caramelo da casa, o melhor torrone de toda a vida e uma espécie de maria-mole, cortada com tesoura por uma das mais simpáticas garçonetes que já me atenderam.
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Depois, ela, o sommelier que me indicou o vinho e me recebeu no jardim e o chef vieram me cumprimentar. Até hoje me lembro de tudo: a comida impecável, o lugar deslumbrante, a louça linda, o serviço preciso e simpático: merci beaucoup.
* Este texto foi ampliado e atualizado, com base naquele que fiz para a reportagem (para ler, clique aqui).