Eu já gostava de vinhos, bebia às vezes, e lia sobre o assunto, sem grande paixão, apenas como complemento a um interesse maior, a comida. Até que em 2001 comecei a escrever sobre viagens, e vi no mundo do vinho uma oportunidade para um jornalista iniciante. Acontece que o vinho é um caminho sem volta a partir do momento que você começa a ter contato com os produtores, esses agricultores mágicos que transformam a mais fantástica das frutas em vinho. Pessoas que fazem vinho geralmente são generosas, entendem a terra, a natureza e geralmente rendem conversas deliciosamente intermináveis sobre este universo tão amplo que é o vinho: a vida no campo, os ciclos da vinha, o amadurecimento das uvas, a fermentação, o prazer da boa mesa… Se tem algo melhor do que o vinho são as pessoas que fazem vinho, e esta é a sorte maior deste meu trabalho. Não vou fazer uma lista de tantas pessoas incríveis que tive a oportunidade de conhecer através do vinho, incluindo aí sommeliers. Não quero me alongar, só fiz esse preâmbulo para dizer que entre tantas dessas pessoas maravilhosas, uma das que eu mais admiro é Luís Henrique Zanini. Admiração que só vai crescendo ao longo do tempo, pelos vinhos que faz, pela forma como se comporta, pelos pessoas que escreve e por outras razões, como essa. Ele escreveu recentemente um artigo sobre Champanhe para o jornal francês Le Figaro. Só isso, apenas isso. Além do mais, nos concedeu o privilégio de sermos os primeiros a publicar o texto em português. Uma honra, uma alegria.
Obrigado, amigo. Muito obrigado mesmo. E parabéns.
CHAMPAGNE, POR LUÍS HENRIQUE ZANINI*
A última vez que estive em Champagne foi na primavera de 2017.
A emoção de desembarcar na estação de trem em Epernay é única. Desta vez resolvi alugar uma bicicleta e percorrer pedalando as vielas do vilarejo.
As folhas viçosas e verdejantes, e os pequenos cachos iluminados pelo sol se esparramavam pelos vinhedos, escrevendo uma poesia ímpar. Para mim, Champagne é História, é cultura, é o gênesis das estrelas, é o equilíbrio entre terra e cepas. Champagne congrega todas as almas do vinho, em um único lugar. Champagne é parte inigualável da história do homem, companheiro nas suas vitórias e conquistas, ou consolo nas dores inevitáveis.
Degustei o que pude, de pequenos e de grandes produtores. Alguns clássicos e também outros desconhecidos para mim, até então. Dentro daquela rica diversidade, prefiro o champagne autoral aquele que revela o rosto de seu produtor. Champagne permite estas escolhas.
Meu vinho favorito certamente é o do Anselme Selosse. Gosto de artesãos do vinho, gosto de sua inquietude. Para mim é um produtor original que imprime sua assinatura em suas borbulhas.
Até hoje, o Champagne que mais me tocou foi Jacques Selosse Blanc de Blancs Grand Cru Millesime 2003. Nunca sabemos o que torna um vinho inolvidável, para além da sua beleza intrínseca. Talvez a magia do momento, talvez com quem dividimos a garrafa, o lugar, os sons… Mas isso não importa quando fecho os olhos e lembro da descoberta deste champagne: ele se revela sempre numa linda e autêntica sensação que faz dele algo inesquecível.
* Enólogo, dirige a vinícola Vallontano, no Vale dos Vinhedos (distribuída pela Mistral), e participa de outro projeto de sucesso na enologia brasileira, a Era dos Ventos, uma cantina de butique, com produção pequena, biodinâmica, com uma linha de vinhos encantadores, realmente especiais. Nos dois casos, as uvas que passam pelas mãos carinhosas de Zanini resultam sempre em belos vinhos, autênticos, delicados, equilibrados e cheios de poesia, com é a personalidade do próprio enólogo. Bebam os seus vinhos.