Você já sovou uma massa, seja para pão ou pizza? Se a resposta for positiva, sabe o quanto é prazeroso e relaxante, por incrível que possa parecer a quem nunca o fez. Já bateu claras em neve, vendo aquela gosma crescer e ficar aerada, servindo para bolos, mousses, suspiros, omeletes e uma infinidade de delícias? É lúdico, é divertido. Porque cozinhar é o maior barato. É terapêutico, e quando estou triste ou estressado, corro para a cozinha. Também é econômico (moro só, e estou gastando menos de R$ 50 por semana com alimentação, às vezes um pouco mais). Em tempos de pandemia, mais que isso, é necessário.
Mas, antes de desenvolvermos o assunto, deixa só eu explicar o que faço nessa Quarentena News. Sou jornalista, e há 20 anos escrevo sobre viagens, comidas e bebidas. Passei esse tempo todo mais na rua que em casa. Todos os meses, quando não semanalmente, estava por aí, conhecendo novos lugares. Almoçava e jantava fora praticamente todos os dias – de segunda a sexta, porque nos fins de semana, quando não estava viajando, sempre preferi cozinhar em casa, ou na dos amigos. Juntei-me a esse espaço, em nobres companhias, para escrever sobre isso: viagens, passadas e futuras, porque elas voltarão a acontecer; comidas, histórias, receitas, indicações de lugares e tudo o mais que envolva esse saboroso universo; e bebidas, o que, afinal, caminha junto com a alimentação (quando usamos o termo gastronomia, a palavra também abarca os prazeres etílicos).
Mas, voltando ao começo: há mais de dois meses em casa, nunca cozinhei tanto, e recomendo. Muita gente não se aventura no fogão, porque não tem tempo – coisa que parece estar bem disponível no momento, e as queixas sobre o tédio estão entre as mais comuns em tempos de Covid 19. Outros, dizem que não sabem – e para isso não há desculpa, porque qualquer um é capaz de aprender, e isso nunca foi tão fácil. Até uns 10, 15 anos atrás, para aprender a cozinhar havia alguns caminhos, especialmente a herança de pais, avós, primos.
Era na tradição familiar que quase todo mundo começava a dar os primeiros passos na cozinha, com aquelas receitas que são recheadas de memórias, e esse é outro prazer da culinária: ativar as lembranças. Outro caminho era ser autodidata, geralmente explorando livros de cozinha, quase sempre caros, muitas vezes com receitas confusas e pouco confiáveis. Por fim, havia os cursos. Hoje está tudo mais fácil, com a proliferação de programas de TV. Mas sequer é preciso ter assinatura de canais como GNT ou TLC, nem ver a Ana Maria Braga ou programas do gênero. Encontramos toda e qualquer receita que queremos em sites. O melhor de todos? Para mim, de longe, o Panelinha, da Rita Lobo, muito bem produzido, didático e com fartura de pratos, com dicas preciosas de preparo. A quem quer começar, indico esse. Youtube é outra boa fonte, em especial para pratos estrangeiros, com as receitas apresentadas em sua forma original. Em todos os casos, cuidado com as fontes: também há “fake news” e informações ruins no âmbito da gastronomia (o mesmo vale para indicações de hotéis e restaurantes, de vinhos e cervejas, isso só para ficar nos nossos assuntos).
Eu sugiro que todo mundo cozinhe, que junte a família, quem está com ela, e dividam as tarefas. Ninguém precisa cortar cebola com a rapidez e destreza de um chef profissional. Isso é para quem vai ter que servir 50, 100, 200 pessoas em um dia, ou mais. Em casa, ainda mais agora, temos todo o tempo para manusear a faca com cuidado, sem pressa. Como dissemos acima, cozinhar é terapêutico, um ato de paciência e amor, que deve ser feito com calma. A vida não é um Masterchef.
(Mas, não só cozinhem: de vez em quando, peçam a comida dos seus restaurantes preferidos, pois eles estão precisando, como nunca. Afinal, quando esse pesadelo acabar, vamos querer voltar a frequentá-los, e essa é a única forma de ajuda-los a não fechar as portas, como tantos já fizeram).
Parece que o mundo deu uma rasteira na gente. Mas vamos reagir. E, como diz o lema de uma finada revista brasileira de gastronomia: “Comer bem é a melhor vingança”. Hoje tem patê de miúdos de pato e arroz de pato, com um bom e raçudo vinho do Alentejo, o Herdade dos Coteis Grande Escolha 2018.
* Este texto foi escrito originalmente para a página do facebook Quarentenanews (aos sábados ou domingos, estou lá, semanalmente).