Uma coisa curiosa no mundo da gastronomia é o tombamento pela Unesco do ritual francês de uma refeição.
Em artigo escrito em 2015, Juliana Santilli, Promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e pesquisadora associada ao programa “Populações locais, agrobiodiversidade e conhecimentos tradicionais”, escreveu um artigo com o seguinte título: “O reconhecimento de comidas, saberes e práticas alimentares como patrimônio cultural imaterial”.
Reproduzo aqui o trecho a respeito disso (sugiro a leitura na íntegra, neste link: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/demetra/article/view/16054)
Comida gastronômica dos franceses, ou refeição “à moda francesa”
Também reconhecida em 2010, a designação “francesa” enfatiza não uma cozinha particular ou regional, ou mesmo alimentos, pratos ou ingredientes típicos, mas o que é percebido (nos chamados “imaginários culinários”10) como uma forma tradicionalmente francesa de consumir alimentos. É descrita como uma prática social ou costume francês para celebrar momentos importantes como nascimentos, aniversários, casamentos, etc., em que se enfatizam a comensalidade e a reunião de pessoas para comer e beber com prazer e de forma estruturada e ritualizada, incluindo a combinação da comida com o vinho, a decoração da mesa e a estruturação da refeição em sequência (com aperitivo, entrada, prato principal, queijo e sobremesa), entre outros elementos.
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Continuo eu.
Por que é curioso?
Porque, na verdade, a origem disso é a Itália, que nem sequer ainda era um país unificado. Quem levou esse ritual e esses hábitos festivos para a corte francesa foi Catarina de Médici. Aristocrata de Florença, tinha especial interesse em comida e bebida, e em tudo o que envolve festas e refeições. Vou resumir, merece um post à parte o assunto, que é controverso para desespero dos franceses apenas, porque é ponto pacífico entre os estudiosos. Em 1553 ela se casou com o futuro rei francês Henrique II. Catarina tinha apenas 14 anos. Mesmo assim, exigiu levar para a França não só seus hábitos, mas também um populoso time de cozinheiros, além de louças, panelas, utensílios de cozinha e serviço. Na bagagem real, muitas e muitas receitas – uma das mais famosas são os macarons (tão franceses, mas, quem diria, nasceram na Itália). Fato que os dois países sempre trocaram influências, ingredientes, receitas, nobrezas e amores.
Mas, para encerrar (por enquanto) o breve capítulo Catarina de Médici, lembramos que com isso ela promoveu uma revolução na cozinha francesa, e estabeleceu novos hábitos gastronômicos na monarquia, que logo foram se irradiando pelo país.
Apesar de florentina, ela exportou para a França um ritual à mesa que tem origem no Piemonte. E passou a ser reproduzido depois em todas as cortes da Europa. Uma série de petiscos, coisas que hoje chamaríamos de canapés ou finger food. Depois, uma entrada. Uma massa, polenta, risoto, quem sabe? Algo com substância: sim, carboidrato. Em seguida, o prato principal. Serviço de carne ou de carnes. Os assados. Um prato de queijos, compotas e conservas ácidas. Pronto, pode vir a sobremesa.
No Piemonte, quando falamos em entrada neste ritual, é uma série de petiscos frios, alguns que nunca deixam de estar na mesa: vitelo tonnato; salada russa e batuta di vitelo (Fassona, por favor). Há, sempre, outros itens, como a linguiça de Bra (crua), algum tipo de lardo ou pancetta, baccalá mantecatto… E tudo pode ser adornado com extras, como conservinhas de alcachofra, friturinhas e saladinhas sazonais e variações em torno dos cogumelos locais, que são muitos e sensacionais. Além de picles variados, tonno soo’olio… Ô, que loucura é isso!
É exatamente este parágrafo acima (menos a salsiccia di Bra) o que encontramos numa entrada imperdível num delicioso restaurante com clima moderno e descontraído, bem no centrinho de Alba, junto à Piazza Duomo (a Catedral da cidade): La Piola. Que restaurante maravilhoso.
Que entrada é essa? Que maravilha, senhoras e senhoras. Tão simples, tão variadas, tão complementar entre si, tão leve… Tão perfeito para começar uma refeição.