Por razões familiares (sou descendente de portugueses do Norte do país; e sempre bebemos vinhos do Douro, Dão e Minho, sobretudo); profissionais (afinal provar vinho é parte importante do meu trabalho lá se vão quase 20 anos) e afetivas (adoro a Casa Ferreirinha, e sua história, suas quintas e rótulos), tenho o prazeroso hábito de degustar grandes rótulos lusitanos, muitas vezes em provas magníficas do ponto de vista técnico (e hedonista, por que não?
Imagino que quase todos os que frequentam esse site sabem, mas… Existem provas das mais distintas. As horizontais (vários vinhos de uma mesma safra) e as verticais (várias safras de um mesmo vinho) estão entre as mais praticadas, mas se existe algo que eu gosto mesmo é poder provar vários rótulos de uma mesma vinícola, notando as distintas regiões, uvas, técnicas de vinificação e outras características dos vinhos de uma única casa, feitos sob a supervisão de um mesmo enólogo.
Em algumas ocasiões tive a felicidade de provar a linha (quase) completa da Casa Ferreirinha, indo do mais básico, o Esteva, até o mítico Bar Velha, passando – pela ordem – por Papa-Figos; Vinha Grande; Callabriga, Quinta da Leda, Reserva Especial e – finalmente – o que talvez seja o mais famoso dos vinhos de Portugal, criado em 1964, e em sua 19ª safra. Em tempo: amanhã, terça (4/5) acontece um jantar no Fratelli da Barra (R$ 590; tel. 21-2494-6644), com o Barca Velha 1985 em destaque na seleção de vinhos.
De uma maneira geral posso dizer que é uma linha notável, e coerente, onde percebemos o estilo de cada rótulo, a variação de terreno e de vinificação (o que inclui uso de madeiras, período de colheita, tempo de maturação em garrafa antes de chegar ao mercado etc).
Todas as vezes, além da grandeza do Barca Velha e a sutil diferença em relação ao Reserva Especial, do preço agradável do Esteva, e seu estilo fácil e frutado; me chama muito a atenção a qualidade constante e muito alta do Quinta da Leda.
Verdade que tenho imensas saudades do tempo em que custava uns R$ 200, até um pouco menos, e não faz muito tempo isso. Hoje, está por cerca de R$ 650 na rede Pão de Açúcar, mas considerando que o Barca Velha custa quase R$ 5 mil no site da Zahil, e que o Reserva Especial passa dos R$ 2 mil na mesma loja vitual, até que o preço do Quinta da Leda está razoável (me dá praticamente o mesmo prazer em beber dos outros dois citados).
Ontem não teve Barca Velha nem Reserva Especial, porém, durante um almoço com vários vinhos da Sogrape (do qual a Casa Ferreirinha faz parte), Quinta da Leda foi o grande destaque. Que vinho bom, desses redondos, com equilíbrio entre potência e elegância, com fruta vicoça no nariz e na boca, mas sem deixar que a madeira bem usada e os fatores aromáticos relativos ao solo abençoado do Douro apareçam com brilhantismo. É concentrado, com acidez na medida exata, e evolui muito bem com o tempo, sem precisar de mais de dez anos para alcançar um ponto fantástico para o consumo.
E já que falamos do Olympe… Difícil afirmar assim, categoricamente: ontem foi a melhor refeição que já fiz no Olympe, que aliás está de mudança de endereço: vão para o hotel Ritz, no Leblon.
– Ainda não temos data pra mudança – conta o chef Thomas Troisgros, honrando o nome da família, mas sem deixar de marcar som sua assinatura os pratos do menu.
Ontem, teve canapé de caju com foie gras; seguido por um velho conhecido e querido prato: vieiras, com batata yakon e vinegrete de café, com carga extra de pimenta, para se afeiçoar ao Duque de Viseu Branso. Depois, outro prato já apreciado algumas vezes: tartare de wagyu, lardo, mel de abelha emerina, anchova, kimchi e ovo. Mexer com a receita de pratos clássicos tão conhecidos com o tartare, ainda mais numa composição tão ousada, não é para qualquer um. Dos melhores tartares que já provei, só consigo comparar com “carne cruda” de Fassona, no Piemonte, regada com trufas branas (para sentir o nível). Fez belo par com o Casa Ferreirinha Vinha Grande.
Daí, então, o ápice da tarde: canon de cordeiro em crosta de dedo-de-moça e açaí; com nhoque de mandioca e soro de leite com especiarias. Com o Quinta da Leda 2010 na taça, eu sorri por dentro e por fora, e comi devagar, devagarinho. Raspei o prato com o pão, e ele voltou limpinho pra cozinha, que ontem me chamou a atenção também para o serviço simultâneo, para 40 pessoas. Sei que não é fácil. Continuamos com outro prato carnívoro com carboidrato e molho, de alto nível: costela, aligot, cebola caramelizada e demi-glace, servido com o não menos delicioso Legado 2009.
Para fechar, uma composição chocólatra, com cinco modos de servir o derivado do cacau: em forma de fudge, de mousse, de “terra”, de calda e crocante, com toque de gengibre e uma bola de sorvete de caramelo salgado. Como se sabe, Porto Vintage e chocolate nasceram um para o outro, e tragamos a sobremesa com um Sandeman Vintade 2011.
Depois de dez dias de um resfriado brutal, um almoço desses era o remédio que eu precisava para retomar a vida, deixando o incômodo dos sintomas para trás. Hoje acordei 100% recuperado.