“Os Ignorantes”: não deixe de ler este livro em quadrinhos que vai fundo no mundo da enologia

“Os Ignorantes – Relatos de Duas Iniciações”. Um livro absolutamente distinto, totalmente autoral, uma experiência que mistura metalinguagem com quadrinhos, enologia, filosofia e técnica narrativa apurada. Tudo isso, com elegante bom humor, com refinamento inglês e autoironia judaica. Achei um livro fascinante, tão fácil de ler quanto impossível de largar antes de terminar – o que não é difícil, uma vez que sua leitura exige algo como duas horas, talvez duas horas e meia, não cronometrei o tempo, que passou voando, como sempre acontece com as coisas agradáveis.

Até o nome é perfeito. Curto e direto, diz tudo a respeito dos dois personagens que conduzem a história. O autor, Étienne Davodeau, é apreciador de vinhos, mas não entende quase nada do assunto. É um aclamado quadrinista francês, dedicado a relatos humanizados e realistas, muitos de perfil autobiográfico.

O livro vai direto ao assunto, e logo em sua primeira página resume tudo. Reproduzo.

O sujeito barbudo à direita é ninguém menos do que Richard Leroy, um vitivinicultor biodinâmico do Loire, que faz vinhos fascinantes, e cuja trajetória no vinho é muito particular. Como tudo neste livro.

 

 

Referência em Chenin Blanc, uma uva menos valorizada do que merece, era trabalhava em um banco de investimentos, em Paris, em 1996, para ir morar no Loire. Comprou pouco mais de dois hectares de vinhedos em Anjou, e logo ganhou projeção. Suas garrafas são cultuadas por enófilos, por raras e realmente exuberantes. O mais fino da enologia. Difícil explicar.

Etienne faz de seu relato uma obra-prima, certamente um dos grandes livros de quadrinhos. Não sou especialista no tema, mas estou certo disso. Além da narrativa que daria um filme espetacular – inclusive já existem todos os sketchs já estão prontos. Só filmar. Mas, desde já, posso também estar certo que o filme não pode ser capaz de ser melhor do que o livro.

 

Fora a habilidade narrativa, há nele uma aula de enologia, que fomenta em qualquer pessoa a vontade de aprender mais sobre o assunto, que de fato é fascinante. A videira é certamente a planta mais fabulosa da humanidade, antes mesmo do trigo, da mandioca e do milho, que nessa escala devem vir a seguir.

Eles passam um ano juntos, e acompanham todo o ciclo da videira. Começam no inverno, justo no momento de dormência da vinha, quando ela passa um período de hibernação, adormecida. Logo vem a poda, e a importância do corte cuidadoso dos ganhos.

Acompanhamos a primavera, os primeiros brotos, a formação dos cachos. A colheita, a vinificação. Ao longo das páginas, são apresentados os conceitos de biodinamismo, da vinificação natural. Com linguagem fácil, longe da petulância que muitas vezes acompanham os relatos do mundo do vinho, sem soberba, e com notável didática e fluidez.

Há críticas à indústria do vinhos, e aos falsos enófilos, “bebedores de rótulos”. Um olhar aguçado, que percebe as falsas videiras que enfeitam as feiras de vinhos e destaca ainda uma visita, em contrapartida, de Leroy com Davodeau a um evento dedicado aos quadrinhos. Tudo ali é uma via de mão dupla.

O livro termina onde começa. Numa outra sacada genial, um desfecho de ouro. A dupla pega a estrada e cruza a França, do Loire ao Jura. Viajam ao encontro de Jean-François Ganevat. Outro gênio da enologia, que faz vinhos incríveis assim como Leroy. Tratam agora de “Savagnins, Poulsards e Companhia”, como diz o título do capítulo que trata dessa história.

Chegam logo após à poda, e agora tratam de vinhos tintos. Passam pela Córsega, encontram Didier Lefèvre.

Até que, na mesma sala, do encontro inicial, eles dividem a mesa. E provam o vinho que fizeram. Estamos no verão de 2011.

Obrigado, Davodeau e Leroy, por esta publicação tão essencial em qualquer biblioteca.

Li este livro numa tacada só, coisa de duas horas, numa tarde de inverno que passei com a filha no hotel Le Canton. Um lindo relato, ilustrativo, original, didático e prazeroso, tudo isso ao mesmo tempo. Achei tão bom, tão bom, que decidi ler novamente, anos depois. Isso foi em 2013. Chegou a hora de reler. Desta vez, com nova atenção. Vou fotografar algumas páginas, e postar nos Stories do Instagram.

Mas, desde já, deixo aqui a dica: leia este livro, mesmo que não goste de vinho. Se gostar, é quase que obrigatório. De nada.

O livro está à venda em livrarias e sites. Vi hoje, dia 26/6/22, a R$ 46,96. Uma pechincha para o que é este livro. Não a nada que vai te ensinar mais sobre vinhos do que esse preços, e apenas duas horas de leitura: saborosa, que se diga.

 

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