Na semana passada falamos do filé à Oswaldo Aranha, prato carioquíssimo criado por um diplomata/político e batizado com o seu nome. Hoje o assunto é a sopa Leão Veloso… prato carioquíssimo criado por um diplomata/político e batizado com o seu nome. Uma caminhada com cerca de 20 minutos pelo Centro do Rio separa o Cosmopolita, onde nasceu a receita carnívora, e o Rio Minho, berço desse caldo de pescados encorpado, feito com base em peixes e frutos do mar, ainda hoje o melhor lugar para apreciar esse clássico da gastronomia carioca.
Viajado e apreciador da boa mesa, Paulo Leão Veloso foi diplomata do Brasil em vários países, entre eles a França. Foi lá que ele conheceu a Bouillabaisse, sopa típica de Marselha, no sul da França, às margens do Mediterrâneo. E foi essa receita que inspirou a versão carioca, que ganhou o nome do sujeito que teria passado, na década de 1910, provavelmente, o modo de preparo aos donos do Rio Minho.
“Isso não aconteceu apenas para homenagear Pedro Leão Velloso Neto. Cozinheiros, garçons e muitos clientes não conseguiam pronunciar corretamente Bouillabaisse. Portanto, a sopa carioca não é um ‘plágio’ da francesa, como se pensou por muito tempo, porém uma aculturação em função da disponibilidade de produtos e, sobretudo, da dificuldade de comunicação”, escreveu o maior jornalista da História da Gastronomia Brasileira, J.A. Dias Lopes, colunista da Veja (leiam, basta seguir no Facebook).
No Rio Minho o pote de barro vem fumegando, com camarões VG expostos, corpo mergulhado, rabo saltando do líquido espesso, com tons de tijolo, avermelhados, por conta do urucum, usado no caldo de cabeça de peixe, e do tomate, base importante do tempero refogado. A sopa Leão Veloso foi criada no Rio Minho, no começo do século passado, pelo diplomata de mesmo nome (há quem conteste o autor, mas não o berço da receita), e entrou para a galeria de grandes pratos emblemáticos do Brasil, especialmente do Rio de Janeiro. Inspirado na Bouillabaisse, de Marselha, no sul da França, ganhou contornos tropicais, apostando na nobreza marinha – o camarão, o polvo, a lula, o cherne, os mexilhões (às margens do Mediterrâneo, a receita tradicional dos pescados usa os peixes mais baratos, “de fundo de rede”, como se diz). Para encorpar, um truque: um pouco de creme de arroz. Um ramo de hortelã dá um pouco de cor, perfume e frescor.
Além da qualidade dos pescados, é notável o ponto de cozimento de cada um dos ingredientes principais, ganhando todos texturas macias, nunca borrachudas. E o tempero vem na medida, e os sabores podem – e devem – ser realçados pela boa pimenta da casa, forte como se deve ser. Coisa de quem está mais do que habituado a fazer o prato.
Vale dizer que a meia porção já serve duas pessoas, e pode valer um almoço. Inaugurado em 1884, o Rio Minho tem o charme de ser o restaurante mais antigo da cidade, funcionando há mais de 130 anos no mesmo endereço, o número 10 da histórica Rua do Ouvidor, veia das mais importantes do Rio Antigo.
Na parte externa, sem ar-condicionado, alguns pratos são vendidos em versão. O cardápio é um desfile de pratos marítimos, com forte influência ibérica (fundada por portugueses do Minho, hoje é administrada por espanhóis da Galícia). Uma diversidade enorme de pratos de bacalhau, incluindo os ótimos bolinhos que podem ser pedidos de entrada, tem execução segura, à moda tradicionalista, usando postas altas, de alta classe, da melhor qualidade.
Existe um grelhado misto que tem adeptos fervorosos, e reúne cherne, polvo, camarões, cavaquinha, mexilhões e lulas, acompanhados de arroz de brócolis, batatas coradas (geralmente ruins) e alho frito (o trio clássico que pode acompanhar outros pratos, como os tentáculos vistosos de polvo).
A partir de quarta é servido um prato que é absolutamente necessário: o bobó de lagostins, que novamente apresenta os méritos do lugar de maneira enfática: bons ingredientes, técnica de cozinha ancestral e segura, tempero na medida e uma certa dose de amor que encontramos entranhada nesses restaurantes antigos, algo um pouco inexplicável, mas lindamente delicioso.
SERVIÇO
Rio Minho: Rua do Ouvidor 10, Centro. Tel. 2509-2338.
1 comentário
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