Não sei o que mais me impressionou na Sardenha. Se a História, a paisagem, a comida, os vinhos ou as pessoas – que são os responsáveis pelos quatro itens anteriores.
Já conhecia muitos dos vinhos da Sardenha, acredito que entre 30 e 40 dos 60 disponíveis hoje no Brasil (praticamente todos importados pelo Enoeventos): e muitos outros estão a caminho.
Mas como sempre acontece com as viagens, a experiência de visitar vinícolas, tocar os solos dos vinhedos, perceber o clima, o estilo enológico local e provar vinhos repetidas vezes ao longo de alguns dias é sempre algo enriquecedor. E também didático. Neste caso, com um componente a mais. Ainda pouco conhecida do público pelos seus atributos gastronômicos, mas sobretudo pelas praias lindas de seu litoral incrivelmente intocado para uma ilha no meio do Mediterrâneo, a Sardenha me impressionou imensamente pela qualidade de seus vinhos, e pela imensa variedade de estilos.
Você conhece Mamoiada? Pois eu diria que se trata de um terroir de futuro brilhante, eu posso antever (também existe a grafia Mamojada, que acho mais simpática). Um cenário montanhoso, uns 600 metros de altitude. Seu clima agreste, suas vinhas antigas e retorcidas, seus cantineiros cheios de saberes ancestrais, que manejam suas uvas há décadas, me lembraram o Priorato, em seus melhores locais. Vi terrenos vermelhos e outros brancos, alguns com pedras e outros tão arenosos que não deixaram a filoxera chegar – e não faltam vinhedos centenários, assim como parte considerável de sua população, que é das mais longevas dos mundo.
Pois já conhecia alguns vinhos de Mamoiada, da Giuseppe Sedilesu. Mas ter a oportunidade de provar toda a sua linha, brancos, rosados e tintos, feitos todos apenas com duas uvas, e Granazza (raridade que dá resultados espetaculares) e Cannonau (a grande vedete dos vinhos da ilha, dividindo o protagonismo com a Vermentino e a Vernaccia).
No site da importadora o Giuseppe Sedilesu Granazza Bianco 2016 custa R$ 159, e é um achado, pela qualidade e – digamos – excentricidade da uva, que eu aposto que você ainda não conhece. Vai ficar ótimos com queijo pecorino e outros intensos e com certo grau de maturação, além de embutidos e carnes curadas e defumadas. Excelente coringa, vai bem como aperitivo, mas também com pratos de peixes e frutos do mar, especialmente os mais condimentados. Eu arriscaria até com cordeiros, e pratos com miúdos, de língua ao Madeira a dobradinha e receitas com base de timo (animielle, molleja, sweetbread, ris de veau e por aí vai). Pena que o Perda Pintà, o Granazza topo de linha, não está disponível no Brasil. Um grande branco.
Com 15% de álcool, consegue ser equilibrado e vibrante, sem perder o frescor e a boa acidez, tem bom corpo, e mostra equilíbrio, apesar de tão corpulento. E os vinhos da Sardenha variam muito em grau de intensidade, muito em parte por conta da idade das vinhas: na Sardenha é impressionante a diferença que faz o tempo das plantas nos vinhos. E a Azienda Vitivinicola Giuseppe Sedilesu mostra isso imensamente bem. Com apenas 25 anos de idade, seus vinhedos podem ter apenas três anos, ou 15, entre os plantados mais recentemente – porém cerca de 1/3 de seus 15 hectares são exemplares preciosos, com idades entre 50 e 100 anos. Fazer uma prova da linha desta bodega verdadeiramente especial é uma aula de vinho.
Já sabia que seria um grande dia, por conta dos vinhos já provados, e também pela sorte de a visita à cantina, estritamente familiar, dessas em que os netos atendem, a nonna está na cozinha e todos ajudam na receptividade aos turistas, ter acontecido no domingo de carnaval, grande dia de festa na cidade, com seus personagens tradicionais, os Mamuthones (aliás, um dos excelentes tintos desta casa é o Mamuthone, robusto mas divertido com o mais famoso personagem folclórico local, em breve falo mais sobre este dia, sobre outros vinhos locais e sobre este lugar incrível e ainda pouco explorado, encravado nas montanhas do coração da Sardenha).
Por ora, fica a dica do vinho da semana. E de que a cozinha que é servida no pequeno restaurante da família na sala de recepção da vinícola, no centro antigo da cidade, é excelente.
Também vale apostar nos tintos, como o Giuseppe Sedilesu Sartiu Cannonau Bio 2017 (vendido a R$ 125) e o Giuseppe Sedilesu Mamuthone Cannonau Bio 2016 (R$ 169). Um dos grandes vinhos da viagem foi o Giuseppe Sedilesu Cannonau Riserva 2010, ícone da casa (R$ 490), feito com as vinhas mais antigas, nos melhores anos, um exemplo de concentração e delicadeza, de fruta e terra, de força e leveza.