A Marisqueira: ao completar 70 anos o clássico restaurante português de Copacabana reabre após reforma

Os indispensáveis bolinhos de bacalhau – Foto de Bruno Agostini®

Pelo menos uma vez por semana eu passo na frente d’A Marisqueira, restaurante histórico de Copacabana, na Barata Ribeiro, ali no Inhangá. Tenho antigo apreço pelo lugar, pela sua cozinha portuguesa com foco nos pescados, como aquelas tantas que há em Matosinhos.

Há uns quatro ou cinco meses vi o lugar fechado. Entristeci, porque estava há tempos namorando um executivo de língua com purê de batata, que adiei e adiei. Que arrependimento de não ter ido me despedir. Se soubesse, além da língua, pediria algum prato de polvo ou bacalhau, quem sabe um badejo com coradas e arroz de brócolis, itens de eterno apreço, desses que como a vida inteira e estão gravados no coração.

Resumindo a história. Conheço de mundo digital a Maria da Luz Almeida, filha do fundador do restaurante, que este mês está completando 70 anos: foi fundado em dezembro de 1952. Que presente ele ainda existir. Mas ele não fechou?

Sim, esqueci de completar a história da Maria da Luz. Não há conhecia pessoalmente, mas sempre trocamos figurinhas sobre restaurantes portugueses, que estão entre os meus preferidos. Assim, soube de sua origem.

Numa dessas grandes coincidências (mas isso existe?), nos encontramos na esteira de bagagem do Galeão. Eu, voltando de Portugal. Ela, de Nova York. Ela me reconheceu.

– Você é o Bruno Agostini?

– Sim. Maria da Luz?

Logo, eu perguntei.

– Mas A Marisqueira fechou?

– Sim, mas para uma grande reforma, no salão e na cozinha. Vão voltar ainda este ano, com o mesmo menu e a mesma equipe, mas com novo visual, que andava mesmo precisando de renovação.

– Que maravilha.

Como sempre passo na porta, fui acompanhando a obra, de modo a perceber que o lugar já estava pronto, na semana passada. Sou que na segunda já tinham aberto. Cheguei ao Rio da serra na quarta, e fui direto almoçar na Palace. Acabei ficando até de noite, e na saída, fui conferir como estava A Marisqueira. Foi uma grande alegria reentrar ali, com o propósito de apenas petiscar os bolinhos de bacalhau, sempre impecáveis. Salão claro, novinho em folha, os garçons à moda antiga, com seus uniformes brancos de gravata preta. Sozinho, comecei a papear com os garçons, coisa que sempre faço, mesmo quando acompanhado. Jornalista, né?

Primeiro, o Manuel, que foi sócio do D’Amici naqueles seus melhores anos, do Salustiano e do Valmir. Logo identificamos amigos em comum. Papo vai, papo vem, já me preparava para sair quando vem o Assis, que comprou o restaurante da família da Maria da Luz, depois do falecimento de seu pai. Era o gerente-maître, o mais alto funcionário da casa, mestre da simpatia no salão – vocês precisam conhecer (o Manuel, igualmente).

Foi amor à primeira vista. Como eu admiro esses profissionais, os reis da hospitalidade. Adoro poder conversar com maîtres e garçons antigos, ouvir suas histórias.

– Tenho 45 anos de casa – resumiu ele.

É toda uma vida. Falamos mais um pouco e nos despedimos. Prometi voltar, muito em breve. No dia seguinte, novo golpe do acaso (existe?). Tirei o dia para visitar restaurantes apresentando alguns vinhos.

– Precisamos marcar um dia de ir lá n’A Marisqueira, reabriram na segunda – eu disse.

– Pois já estou falando com eles, por causa dos azeites.

Resumindo… Agendamos a visita para a prova dos azeites, e aproveitamos para levar os vinhos. Olha só: já na quinta eu voltei, não imaginava que seria tão rápido o prometido retorno À Marisqueira.

De cara, mais uma coincidência (???). Logo ao entrar, estava a Priscila, minha amiga e vendedora da Casa Flora. Que vem a ser sobrinha do Manuel, como descobrimos na noite anterior ao conversar.

Nos sentamos juntos, provamos os vinhos e novamente mais uns bolinhos de bacalhau, absolutamente indispensáveis. Lembrando que a pimenta da casa, como sempre acontece nos melhores casos, é preparada por um garçom nordestino, e é excelente – picante na medida, fundamental na apreciação de bolinhos de bacalhau, a meu ver.

Já nos preparávamos para sair – inclusive porque tínhamos uma degustação marcada em outro restaurante. O Assis veio ao pé do ouvido.

– Gostaria de oferecer dois pratos para vocês – disse o Assis.

– Mas seus pratos são muito generosos, dão para três, bastaria um – respondi.

– Deixa comigo, faço na medida certa. Quais vocês preferem?

– Escolhe você.

– Deixa comigo.

Bacalhau Mario Soares: empanado, e com muito azeite, alho frito, cebola, batata e pimentões – Foto de Bruno Agostini®

Eu já imaginava que teríamos o bacalhau Mario Soares, pratos clássico da casa, homenagem ao ex-presidente português que lá esteve certa vez, elogiando bastante a comida. Também sabia que teríamos algo de polvo, porque já havíamos falado dos meus pratos preferidos ali e alhures.

Primeiro, um arroz de polvo com brócolis, fumegante e perfumado.

– A gente puxa o prato num caldo de polvo com vinho tinto – disse o Assis.

Isso explica a coloração mais escura do prato (esqueci de fotografar, veja o vídeo aqui:). Estava delicioso, resumindo. Arroz no ponto exato, polvo de bom tamanho e bem cozido, o brócolis picadinho, complementando sabor e dando outra textura. Realmente, excelente.

 

Repare na textura do peixe – Foto de Bruno Agostini®

Depois, veio a lógica: o bacalhau Mario Soares. Empanado e frito, regado com alho, vem na travessa rodeado de cebola quase caramelada, batatinhas e pimentões, com azeite em abundância, como reza a tradição. Notável era a textura do peixe, um lombo alto, gelatinoso, com generosas lascas, com extração de sal na medida exata.

Que tarde, meus amigos, que tarde!!!

Da próxima vez eu provo um badejo com coradas e arroz de brócolis. Para regar com o meu azeite, e também com a forte pimenta da casa.

SERVIÇO
A Marisqueira: Rua Barata Ribeiro 232, Copacabana. Tel.: 2547-3920. Instagram: @amarisqueirarj

 

 

 

 

 

 

 

2 commentários
  1. Não deixe de provar também as lulas com arroz e brócolis e o badejo grelhado com legumes. Mas peça os legumes ao alho e azeite, refogados. De comer rezando. Gosto tanto que faço igual em casa. De entrada prove as alheiras. Eu também estava triste com.o fechamento mas um dia por volta das 13 horas passei em frente e vi o Assis do lado de fora, em.pé, olhando a obra em andamento. Fiquei mais tranquilo. Vou lá. Ah, estava esquecendo. Único restaurante do Rio que produz seu próprio vinagre. Uma delícia para acompanhar polvo à portuguesa e bacalhau à portuguesa (que em Portugal se chama bacalhau de consoada ou bacalhau com todos)

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