Cama e Mesa: no Le Meurice, em Paris, um jantar impecável com assinatura de Alain Ducasse

Começo de noite, salão iluminado pela luz natural – Foto de Bruno Agostini

Era começo de maio. A luz do final da tarde da primavera parisiense ainda entrava pela janela, iluminando o salão do Le Meurice, de frente para o Jardin des Tuileries, realçando a sua decoração suntuosa, com afrescos, lustres de cristal e estuque dourado. Foi quando cheguei para jantar no restaurante mais chique do clássico hotel da Rue de Rivoli, que desde 2013 tem o chef Alain Ducasse como maestro, com Jocelyn Herland liderando a cozinha atualmente.  E que não tem três estrelas Michelin à toa. Porque ninguém tem (hoje o restaurante perdeu uma, e tem “apenas” duas).

O serviço parece um balé bem coreografado, e cada um dos atendentes do salão sabe a sua função específica. Os pratos não são menos que impecáveis em termos de sabor, textura, apresentação e matéria-prima. O menu degustação custa € 380 (há outro, em cinco etapas, a € 290). A harmonização de vinhos tem preço variável (entre € 120 e € 200). No almoço, o menu em quatro etapas sai a € 130 ( €  65 com vinhos). Com essas cifras, o Le Meurice foi eleito em 2014 o segundo restaurante mais caro do mundo, atrás apenas do Kitcho, em Kioto, no Japão, por um site especializado, “The Daily Meal”.

O paletó emprestado e minha alegria sem tamanho – Foto não sei de quem

Minha reserva estava marcada para as 20h30m. Cheguei com meia hora de antecedência vestindo jeans, camisa social e sapato. A moça que me recebia, com delicadeza, perguntou se eu poderia aceitar um paletó. A exigência não constava no site. Aceitei a oferta, e ela foi buscar a vestimenta, no meu tamanho, passada e perfumada pela lavagem recente. Em seguida, fui conduzido à mesa enfeitada com um ramo de cenouras amarradas sobre uma tábua de madeira e potinhos de cerâmica com flor de sal.

Champanhe da casa – Foto de Bruno Agostini

O sol invadindo o salão valorizava os relevos da paredes e os tons dourados da decoração. E o que se seguiu foram horas de prazer, e de surpresas. Na coreografia do serviço, a garçonete de vestido escuro e elegante traz a água, e logo o sommelier oferece uma taça de champanhe. Como negar?

— Este é o Selection Alain Ducasse Brut, feito especialmente para o chef — diz.

Difícil é maneirar nos pães com manteiga (combina com champanhe, com seus aromas de padaria e amanteigados) – Foto de Bruno Agostini

A minibaguete, besuntada de manteiga, salpicada de flor de sal, causa compulsão imediata. Come-se enquanto houver. Pedi para não servirem mais. Ainda me divertia com os pães, quentinhos, estalando de crocantes e perfumados, quando chega a amuse-bouche de aparência curiosa.

A telha que envolve a ostra: pura delicadeza – Foto de Bruno Agostini

Conchas de ostra, vazias, abrigam uma daquelas telhas, geralmente servidas no café, de amêndoas e caramelo. Mas, no caso, a tuile era de vinagre, e envolvia uma ostra carnuda e fresca, com umas folhas de salada.

Foi um belo e saboroso prelúdio, ocorrido logo após o sommelier perguntar se eu tinha alguma restrição.

— Nenhuma, como de tudo, e não tenho alergias conhecidas — respondi.

— Já temos um menu degustação em mente, mas na realidade pergunto sobre os vinhos. O senhor tem alguma restrição a algum tipo? Não gosta de algum estilo ou região? Tem alguma coisa que goste muito? Fale-me de suas preferências — replicou.

— Gosto de provar coisas novas. Mas adoro a Borgonha, e também sou fã dos vinhos do Rhône. Aprecio vinhos de estilo particular, como Jura. Sou amante de vinhos malucos e originais — comentei.

Um branquinho provençal: Bingo! – Foto de Bruno Agostini

Nunca tinha visto isso, ao menos com tamanha precisão: um sommelier fazer um breve questionário para, a partir dele, escolher os vinhos.

Porque não basta ser deliciosamente bom, mas também é necessário ser belo – Foto de Bruno Agostini

Logo chegou o primeiro, o Côtes de Provence Cuvée Clarendon 2011, do Domaine Gavoty, branco seco, mineral e perfumado, que envolveu o primeiro prato da noite, “légumes à la croque au sel”. Bonita composição, uma panela de ferro com uma crosta de sal grosso coberta por vários vegetais, orgânicos, naturalmente, e produzidos nas redondezas: cebola, cenoura, vagem… Uma espécie de aioli de gosto intenso, mais escuro e marinho, vinha ao lado, para acentuar o sabor de cada peça.

— O que busco é a simplicidade, e a identidade original de cada ingrediente — foi uma das frases que Ducasse me disse, numa entrevista de 2011.

O dourado: é mesmo ouro – Foto de Bruno Agostini

O mesmo vinho acompanhou com brilhantismo a etapa seguinte, um retângulo de dourado, de carne clara, rosada e crua, servido com uma colherada de caviar e beterraba, raiz e brotinho.

Eu avisei que curtia o Rhône… – Foto de Bruno Agostini

Em seguida, o sommelier apresentou um belo branco do Rhône, já atendendo às minhas preferências. Era o Saint-Joseph Mairlant 2010, do Domaine François Villard, opulento, profundo e denso, vinho de pequena produção, feito 100% com a uva Marsanne.

E segue o baile – Foto de Bruno Agostini

Ele chegou à mesa junto ao prato de aspargos, com os vegetais verdes instalados sobre um creme de pistache, junto a pedaços de queijo tostados.

Eu disse que adorava a Borgonha… – Foto de Bruno Agostini

Era a vez da Borgonha: um branco suntuoso, Chassagne-Montrachet Clos Saint-Jean 2008, de Michel Niellon.

Eu me senti parte do afresco da Capela Sistina, dando a mão para Deus – Foto de Bruno Agostini

Para ele, nada menos que lagosta com “pommes de mer”: nacos do crustáceo servidos com um molho denso e muito aromático, com uma espécie de tortinha crocante de batatas que crescem junto ao mar.

Nunca comi um robalo tão bom – Foto de Bruno Agostini

O passo seguinte foi o “bar, olives, agrumes”, um robalo de pele crocante preparado em molho de frutas cítricas, com uma espécie de tapenade de azeitonas pretas, e finas lâminas de pomelo e laranja desidratadas.

Uma preciosidade feita com seis uvas do Rhône, de vinhas antigas de até 100 anos: merci! – Foto de Bruno Agostini

Para acompanhar, novamente o Rhône, agora um raro Châteauneuf-du-Pape Boisrenard 2007, do Domaine Beaurenard, um branco rico e vigoroso.

Vem, Borgonha, vem… – Foto de Bruno Agostini

Quando chegou o Nuits-Saint-Georges 1er Cru Aux Thorey 2005, do Domaine Dubanc, exuberante tinto da Borgonha,…

Eu poderia ficar 50 anos tentando explicar o quanto é maravilhoso esse prato que eu não seria capaz, porque não há palavras – Foto de Bruno Agostini

… eu não imaginava que ele iria escoltar um dos melhores pratos de minha vida inteira, uma tortinha de ris de veau (o timo de vitela), delicado e untuoso, feito com espinafres e molho rôti, com uma saladinha verde.

Uma refeição perfeita, para mim, começa com champanhe e antes da sobremesa tem carrinho de queijos bem “maduros” – Foto de Bruno Agostini

O prato de queijos veio a seguir, e pedi os mais fortes e fedorentos.

Não poderia haver vinho melhor para essa hora: perfeição com os queijos: eu disse que adoro o Jura – Foto de Bruno Agostini

Para eles, o Côtes du Jura Vin de Paille Château d’Arlay 1988.

Eu disse que gostava de vinhos malucos, e ele reservou isso para o final – Foto de Bruno Agostini

Hora das sobremesas.

Frutinhas do bosque: afinal, é primavera – Foto de Bruno Agostini

Primeiro, tortinha de framboesas com um Cabernet Sauvignon doce da Alemanha (vinhos malucos, lembra?), safra 2008, do Weingut Lunzer.

O Ducasse me disse que adora Baba ao Rum, e eu só posso concordar com ele – Foto de Bruno Agostini

Depois, baba au rhum, servido com um copo do próprio. C’est fini. Se o jantar vale os cerca de € 500? Não sei. Sei com toda a certeza que foi uma das melhores refeições da minha vida toda.

 

SERVIÇO
Restaurant Le Meurice,  Alain Ducasse – 228 rue de Rivoli, 75001, Paris. Cardápios, reservas etc no site: dorchestercollection.com/en/paris/le-meurice/

 

 

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