Cozinha em Revista: uma noite de gala no Cipriani do chef Nello Cassese

A fachada do Copa: sempre uma noite de gala – Foto de Bruno Agostini

Era uma noite fria de quinta-feira, e chamou a atenção o salão bem cheio, quase lotado, do Cipriani. Movimentado daquele jeito eu só tinha visto em eventos fechados. Sentei no balcão do bar, embalado pelo piano logo ao lado. Pedi um Bellini. Elogiei. Pedi explicações sobre o purê de pêssego.

– Eu faço aqui mesmo – explicou sem ostentação o bartender, o que em associação ao Prosecco de ótima qualidade explica a razão de estar tão bom o coquetel de origem veneziana, clássico do Cipriani original na cidade italiana.

Deu vontade de pedir mais um, mas já sabia que seria longa a noite, e segui para a  mesa. Olhando ao redor, era mais ou menos metade de estrangeiros, e a outra de brasileiros, entre cariocas – muitos – e turistas de outros estados. Muitos parecem hóspedes, mas várias mesas estavam claramente comemorando algo. O Cipriani é mesmo muito adequado para ocasiões especiais. Dois grupos diferentes tinham aniversariantes, e o clima de romance atraía muitos casais, daqui e de alhures.

Os aperitivos de boas-vindas: arancini de açafrão com toque de trufas; parmigiano crocante com mostarda de Cremona, creme de baroa com ricota de búfala, pato curado com doce de tomate e um croquete de porco – Foto de Bruno Agostini

 

Jantar no Cipriani é mesmo especial, e recentemente entrou seguramente para a lista de melhores restaurantes do país, em qualquer seleção que se faça. Difícil de competir: a vista linda da piscina mais famosa do Brasil, o serviço que está impecável, um pouco menos formal que antes (que bom), a lista de vinhos e os drinques e – sobretudo – e o que é o mais importante em um restaurante: uma cozinha de alto nível. Altíssimo nível. Dos grandes italianos do mundo. Do mundo, sim.

(Eu me recordo, há dois anos, quando eu provei pela primeira vez a comida de Nello Cassese, lembrei-me imediatamente de algumas das melhores refeições que fiz na Itália, no Arnolfo, na Toscana; e na Villa Crespi, do chef Antonino Cannavacciuolo, no Lago di Orta. Deu para perceber, na ocasião, quando disse isso a ele, a sua grande alegria com a comparação que fiz, e até hoje seus pratos me remetem a esses dois lugares, entre outros ótimos restaurantes italianos que visitei nas muitas viagens ao país mais saboroso do mundo, secondo me).

Considerando que podemos dizer sem medo de errar que o Cipriani é o restaurante mais caro do Rio, estar lotado em momentos de crise é um ótimo sinal. Quem está por trás do sucesso  atual do ristorante do Copacabana Palace é sobretudo o chef Nello Cassese, italiano da região da Campânia, um desses cozinheiros que saber dosar na medida exata tradição e criatividade. E quem tem um timaço trabalhando com ele, uma turma jovem e dedicada que vem fazendo a diferença. Na cozinha e no salão.

É seguindo essa filosofia, e com extremo rigor na seleção dos ingredientes e técnica apurada, que ele monta os cardápios do Cipriani, e em breve entra em cartaz o menu de primavera-verão, que deve ser lançado em novembro. Enquanto isso, de noite, por ora ainda temos uma degustação mais invernal, que começa com pães feitos na casa, manteiga batida, azeite de primeira, e quem quiser pode pedir ainda extras como o culatello di Zibello D.O.P., legítimo.

O nome do menu degustação servido só à noite é “Il Paseggio per l’Italia”, e começa com uma rodada de petiscos, para serem comidos em uma mordida, com cinco bocados que deixam saudades, e como. Tem arancini de açafrão com toque de trufas; parmigiano crocante com mostarda de Cremona, creme de baroa com ricota de búfala, pato curado com doce de tomate e um croquete de porco que é a mais pura perdição. Podia comer isso a noite toda.

Para começar, acompanhando os dois primeiros cursos, Ferrari Perlé – Foto de Bruno Agostini

 

O amuse bouche é mesmo divertido, combinação de mousse de Parmigiano com alcachofra, abobrinha e gel de limão.

Vieira, couve-flor e alcaparra – Foto de Bruno Agostini

 

Há mais três entradinhas: vieira com couve-flor e alcaparras e…

 

… uma versão minimalista e morna de uma salada, combinando alface romana confitada com um molho Caesar de tirar o chapéu; recriação desta receita clássica, ainda mais deliciosa.

Em seguida, uma codorna dessosada, com milho, peperonata, queijo de cabra e arroz amarelo de açafrão.

Caramelle, que tem esse nome por lembrar uma bala – Foto de Bruno Agostini

 

Duas massas ocuparam a coluna “primi piatti”: caramelle, que leve esse nome pois lembra um pacotinho de bala, com molho ala Norma, recheio de peixe branco e uma berinjela queimada que merece destaque. E era pura delicadeza o raviolini mare e monti, uma brincadeira com o carbonara, um deleite e uma lindeza (foto de abertura do post).

Javali com chocolate e abóbora: ousadia – Foto de Bruno Agostini

 

Para o prato principal, uma costeleta de javali suculenta, guarnecido de maneira interessante e ousada, com terra de cacau, abóbora e chocolate 80%.

 

O serviço de queijos: imprescindível – Foto de Bruno Agostini

A novidade recente é o carrinho de queijos, que fazia falta num restaurante como aquele: um restaurante desse tipo PRECISA ter um excelente serviço de queijo, para antes da sobremesa. No caso, são cerca de oito queijos de origem italiana, escolhidos a dedo pelo chef. Há desde alguns mais conhecidos, como taleggio e gorgonzola, a outros menos famosos por aqui, como caciotta e fuochino.

A versão chamada 2.1 do tiramisú, o pré dessert – Foto de Bruno Agostini

 

Muitas vezes uma refeição chega à etapa das sobremesas e o nível cai um pouco, muitas cozinhas não dominam a técnica da pâtisserie. Não é o caso. Sem abusar do açúcar, e novamente transitando entre clássicos e criações do chef, tivemos uma versão de tiramisú, leve e saborosa.

Docura e acidez em plena comunhão – Foto de Bruno Agostini

 

Com Vin Santo, só para melhorar.

Merengue com cupuaçu – Foto de Bruno Agostini

 

Seguido de um doce muito popular na Itália, o merengue, em apresentação linda e escultural, com o brasileiríssimo cupuaçu, além de morango e macedônia.

Chocolate branco, leite, pistache, limão e rúcula foram a combinação final.

O gran finale, com petit fours – Foto de Bruno Agostini

 

Sem esquecer dos tentadores petit fours.

Fiz uma versão ligeiramente maior, com uns três ou quatro cursos fora do menu degustação original, que custa R$ 420. Esse menu apresentado é mais próximo do que é servido na mesa do chef, dentro da cozinha, diante do movimento, uma experiência fabulosa que já experimentei cinco vezes. Custa R$ 950, com vinhaços incluídos. Não é para todo o dia, mas… fica para sempre na memória.

——————————————————-OS VINHOS——————————————————–

Aliás… Falando em vinhos. E se um grande restaurante deve ter um curso de excelentes queijos (os meus preferidos ultimamente tem sido os brasileiros, tenho provado cada coisa incrível em restaurantes diversos, como Lasai e Bazzar) o mesmo vale para o serviço de bebidas, e mais especificamente de vinhos: não só na escolha dos rótulos que vão compor a carta, mas também nas taças, e no manuseio das garrafas e instrumentos, e também na hora de sugerir harmonizações.

Medici Ermete, o único produtor de Lambrusco por quem tenho respeito – Foto de Bruno Agostini

 

Neste sentido o sommelier Ed Arruda vem brilhando nos últimos anos, e se tornou o maior especialista em vinhos italianos no Rio. E a sua carta reflete isso.   Nessa noite de gala, além de quatro vinhos italianos, foram servidos os dois vinhos produzidos para os 95 anos do Copacabana Palace , um branco, Chardonnay, e um tinto, corte de Merlot e Cabernet Franc, dois belos exemplares do que a enologia brasileira é capaz. O primeiro denso e untuoso na medida, piemontês na alma, embora a uva seja francesa, o segundo macio, saboroso e suculento. Ambos com espírito bem italiano, amigos da boa mesa.

Além disso, me serviu um vinho que adoro, o Medici Ermete, até hoje o único produtor de Lambrusco de que gosto, e gosto muito.

SERVIÇO
Cipriani – Belmond Copacabana Palace, Avenida Atlântica 1702, Copacabana. Tel. +55 (21) 3500-0292.

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