Na semana passada tive a sorte de estar com o amigo Sergio Siciliano, sommelier do Delirium Café, para um almoço na Churrascaria Palace. A comida dispensa comentários. Além de uma garrafa de Morgado da Vila Alvarinho 2021, da Quinta da Lixa, a gente bebeu uma das melhores cervejas deste planeta: Gouden Carolus Cuvée Van De Keizer Imperial Dark 2018. Um monumento da cultura cervejeira, complexa e profunda, densa e ampla, que toma a conta da boca com seu corpo cremoso. Tem 11,5% de álcool, elegantemente integrados. Os aromas remetem a vinho do Porto, com ameixa seca, amêndoas tostadas, caramelo e tons defumados. Tudo isso, com frescor, e algo que remete inclusive a certas frutas frescas, além de passas, com presença marcante do lúpulo, que garante o citado frescor.
O amigo escreveu uma apresentação a respeito dela, para uma vertical que aconteceu no final do ano passado, no Delirium Café, em Ipanema.
Diz aí, Serjão!!!
GOUDEN CAROLUS CUVÉE VAN DE KEIZER IMPERIAL DARK 2018 – Por Sergio Siciliano Simon
A Gouden Carolus é uma marca belga que produz renomadas cervejas de abadia, que são estilos conhecidos por sua grande potência e complexidade. A marca é de propriedade da cervejaria Het Anker, localizada na cidade de Merchelen, norte da Bélgica (onde se fala holandês). A história da cervejaria remonta ao ano de 1369, tendo sido iniciada por beguinas (mulheres católicas que viviam como freiras, embora não tivessem feito os votos de pobreza e castidade), que tomavam conta do mosteiro e de um hospital.
A cerveja, de baixo teor alcoólico, era produzida para tratar os enfermos (eu sempre soube que cerveja tinha poderes revigorantes). Após muitos séculos, em 1872 a cervejaria foi vendida para a família Van Breedan, que segue no comando até hoje. Como qualquer empresa multissecular, a Het Anker passou por modernizações, troca de nome, guerras e todo o tipo de dificuldades para chegar até os dias de hoje.
A marca Gouden Carolus surgiu em 1960, após anos conturbados do pós-guerra, homenageando o Imperador Carlos V, que teve um papel importante na história da Bélgica e foi criado na mesma cidade em que está localizada a cervejaria. Em 1990, a Het Anker construiu um hotel na cervejaria, que atende a apreciadores do mundo inteiro que vão conhecer as instalações a partir de visitas guiadas.
Finalmente, em 2010, uma destilaria foi instalada, e a Het Anker passou a produzir também um Whisky Single Malt já bastante premiado internacionalmente. Mas o que nos interessa mesmo é a cerveja, e a Gouden Carolus é, sem dúvida, uma das marcas de cerveja de abadia mais apreciadas e premiadas internacionalmente, sendo considerada por muitos como a melhor Dark Strong Ale belga (também conhecida como Quadrupel).
Entre os principais rótulos estão a Gouden Carolus Classic (justamente a Dark Strong Ale) e a Gouden Carolus Tripel.
CUVÉE
Pare por um momento e aprecie o nome desta cerveja. Eu sei, muito provavelmente você não decifrou todo o significado deste rótulo logo de cara. Mas, mesmo assim, eu tenho a certeza de que você já entendeu uma das coisas mais importantes sobre ela: esta não é uma cerveja simples. São tantos elementos que fazem parte deste nome que precisaremos de um post inteiro só para decifrá-lo.
Imagine, agora, quantos goles devem ser necessários para compreender a complexidade do que está dentro da garrafa. E mesmo sem saber muita coisa sobre a Gouden Carolus Cuvée Van De Keizer Imperial Dark, você provavelmente já deve estar salivando de curiosidade. Para resolver este problema, pelo menos em parte, vamos destrinchar este nome, elemento por elemento. Infelizmente, não poderemos beber a cerveja por você e resolver a curiosidade sensorial que este post despertará.
Portanto, saiba que, se você decidir seguir lendo este texto, estará por sua conta e risco. Não diga que não avisamos!
GOUDEN CAROLUS
O termo cuvée (do francês “tanque”) vem do mundo dos vinhos, onde, originalmente, se refere a um tipo de produção em que há mistura de mais de um tipo de vinho para se chegar a um certo resultado específico. Como as safras de uva costumam variar de ano para ano, esse processo tem por objetivo compensar a diferença da matéria prima através de uma mistura específica que busque chegar em um mesmo resultado. Por isso pode haver variações, de ano para ano, na quantidade de uma determinada variedade de uva ou tempo de tanque, mas o sabor e aroma finais tendem a ser bastante consistentes. E, muito embora o processo em si não seja garantia de qualidade, as marcas de vinho costumam reservar a denominação cuvée para seus produtos de maior qualidade, tendo se tornado um sinônimo para produtos topo de linha.
No mundo das cervejas, o termo foi importado com um significado bastante semelhante ao dos vinhos. Embora o malte de cevada e o lúpulo sejam produtos com baixa variação entre safras, o processo de fermentação de muitas cervejas belgas é bastante variável de um ano para outro, uma vez que o processo não é 100% controlado.
Sim, estamos falando das famosas cervejas que são fermentadas espontaneamente, por microorganismos presentes no ar, barris e até paredes das câmaras de fermentação (não queira saber detalhes deste processo, a não ser que você seja do tipo que adora salsicha, mesmo sabendo como elas são feitas). De qualquer maneira, o processo espontâneo de fermentação é um tanto quanto imprevisível e produz resultados diferentes de um ano para o outro, como uma safra, e por isso grandes mestres cervejeiros provam o resultado de cada processo e definem a mistura que irá produzir o resultado mais próximo do ideal, mantendo as características do produto final o mais consistente possível. E, assim como no mundo dos vinhos, o termo cuvée indica cervejas de altíssimo grau de cuidado e qualidade, sendo empregados em produtos topo de linha também.
VAN DER KEIZER
Este termo vem do holandês, e significa “do cáiser”, ou “do imperador”. Após o declínio do vasto Império Romano, vários impérios menores e locais surgiram, todos com imperadores que se denominavam sucessores dos Césares romanos (os imperadores). Na Rússia, César virou Tzar (ou Czar), na Alemanha Kaiser, na Holanda Keizer (e no Brasil virou uma cerveja de massa). Assim, Van Der Keizer é uma forma de se referir ao Imperador Carlos V, que, como já comentamos acima, inspira o nome da cervejaria. Esta é uma cerveja comemorativa, produzida apenas uma vez por ano, justamente no dia do nascimento de Carlos V (24 de fevereiro), e assim recebe a denominação “Van Der Keizer”.
IMPERIAL
No mundo das cervejas, não há um significado exato para o termo “Imperial”. Muitas marcas utilizam essa denominação, nem sempre para os mesmos fins. Mas, de maneira geral, o termo é empregado para rótulos de maior potência. Por exemplo, uma Imperial IPA é uma cerveja cujo amargor vai além de uma IPA normal. Já uma Imperial Stout tem um elevado teor alcoólico, não tendo nada de diferente com o seu amargor. Aliás, a origem da utilização do termo Imperial vem justamente das Stouts e Porters inglesas, que no século 18 começaram a ser exportadas para países nórdicos e Rússia. Como por lá o gosto é por bebidas com maior teor alcoólico, como a Vodka, os estilos ingleses ganharam uma releitura de maior potência, com maior dulçor e álcool. Diz-se, inclusive, que as Porters e Stouts turbinadas caíram no gosto
da família real russa, ganhando assim a denominação “Imperial”.
DARK
Bom, esse é o mais fácil, né? É uma cerveja escura, feita com malte torrado. E como esse post já está começando a ficar longo, vamos parar por aqui. Dark é só dark, mesmo.
Gouden Carolus + Cuvée + Van De Keizer + Imperial + Dark
Uma delícia. É só isso que se pode dizer dessa combinação de termos profundos e complexos por si só. É claro que o resultado dessa soma só pode ser uma cerveja única e inesquecível. Mas como se já não bastasse tudo o que já falamos, temos ainda alguns pontos interessantes sobre ela, só para arrematar.
A Gouden Carolus Cuvée Van De Keizer Imperial Dark é uma versão turbinada da Gouden Carolus Classic, que por si só já é extremamente afamada e premiada mundo afora. Seu teor alcoólico, turbinado, chega a 11,5%, o que torna essa cerveja muito adequada para guarda.
Isso mesmo, você pode manter ela por anos na sua adega, e a tendência é que ela melhore cada vez mais, como um bom vinho. Aliás, como um bom vinho, a garrafa tem vidro reforçado e é tampada com uma rolha, justamente para que as pessoas entendam que esta é uma bebida que quebra com vários dos conceitos rígidos de cerveja que normalmente temos. Sim, esta é uma cerveja para quebrar paradigmas, e vale cada centavo de investimento para que você a tenha na sua coleção. A não ser que você goste mesmo é de cerveja de massa, aí você pode tomar aquela outra cerveja do cáiser, a brasileira aquela, sabe? Por sua conta e risco!
E aí, curtiu essa viagem cerveja? Demais, não é? Pois então fique ligado, aqui no nosso blog seguiremos explorando marcas e rótulos famosos e importantes no mundo da cerveja.
Enquanto isso, corre na nossa loja e encomenda já a sua Gouden Carolus.
Santé!!!