Provar um vinho de Josko Gravner é sempre uma ocasião especial. Fazer isso a seu lado, é algo inesquecível, marcante. Ainda mais se o fato acontece no Rio de Janeiro, numa tarde quente de verão, em um restaurante italiano voltado aos peixes e frutos do mar, que acaba de voltar ao comando de seus criadores. Pois assim aconteceu. Pela primeira vez no Brasil, Josko Gravner apresentou os seus vinhos num almoço no restaurante Margutta, em Ipanema, agora novamente dirigido pelo casal Conceição e Paolo Neroni. Ele veio acompanhado pela filha, Mateja, que trabalha com ele na elaboração dos vinhos.
Uma turma de enófilos compareceu, incluindo aí profissionais do ramo, como Marina Hirsch (Sushi Leblon, Zuka e Brigitte’s), a dupla Dionísio Chaves e Nicola Giorgio (Duo, Bottega del Vino e Uniko) e José Grimberg (Bergut), além de Ed Motta, fã de vinhos naturais, e o enciclopédico e intrépido jornalista Pedro Mello e Souza. Mas este escriba, esquecendo que faria reportagem para este EnoEventos, não tratou de fotografar os presentes, como de praxe neste portal.
Guilherme Corrêa, sommelier da importadora Decanter, também estava lá, para ciceronear o mestre que aproveitando que deixou a toca, no Friulli, extremo norte da Itália, vai dar uma esticadinha até Nova York.
Vinhos inesquecíveis
O almoço começou ao sabor de um espumante. Um Lambrusco. Mas antes que alguém torça o nariz, é preciso dizer que este Lambrusco era o Medici Ermete Unique Metodo Classico Brut Rosé. Esqueça tudo o que você sabe sobre Lambrusco e prove este. Seco, fresco e vívido, foge dos padrões desta denominação. (E aqui cabe um parêntese: o Lambrusco tinto desta mesma vinícola é um achado, um dos mais perfeitos vinhos para acompanhar uma feijoada).
Foram servidos dois vinhos, simultaneamente: o Ribolla 2005 e o Ribolla 2006, como se fossem duas faces de uma mesma moeda. O primeiro era aquela coisa desconcertante. Os aromas de flores e frutos secos, as notas terrosas, o damasco e o figo, a boca rica, em termos de textura e sabor. Na Europa praticamente inteira, 2005 foi um grande ano. Já o 2006, fruto de um ano mais quente, era mais exuberante e exibido, mais “solar, quente e perfumado”, como bem definiu Guilherme Corrêa. Enquanto em 2005 os vinhedos foram atacados pela botrytis, em 2006 isso não aconteceu (sim, Gravner faz vinhos secos usando algumas uvas botrytizadas).
Para esses vinhos, foi servido um polvo em salsa verde, conjunto macio, no ponto exato de cozimento, com alguns temperinhos realçando o sabor, com algo de azeite, pimenta e provavelmente um toque de limão.
Em seguida, um sauté de frutos do mar, que foi o destaque. Mexilhões, vôngoles e lulas se entrosaram perfeitamente com o brodo espesso, numa harmonizada combinação com os vinhos. Assim, Pedro Mello e Souza logo tratou de pedir uma colher.
E passamos a ter momentos de mais profundo prazer aos sorver os líquidos. Aquele feito pelo Gravner, a partir da uva Ribolla, e aquele preparado pelo Paolo Neroni, um caldo perfumado e muito saboroso de frutos do mar, com base de tomate. Poderia passar um mês bebendo Gravner e comendo isso. Quem sabe dois meses? Três… Seria um privilégio.
Em seguida, o Breg 2006, cruzamento das outras uvas brancas que Josko Gravner cultivava até 2012, quando decidiu se dedicar apenas à Ribolla (quando o assunto são brancos, porque ele ainda mantém pequenas parcelas de Merlot e Pignollo): Chardonnay, Riesling Itálico e Sauvignon Blanc. Denso, apresentava sutilezas, como notas de lavanda (os meus companheiros de mesa não pareciam concordar muito comigo). Novamente, aquele festival de aromas de coisas secas: folhas secas, frutos secos, terra…
– Meus vinhos brancos apresentam essa família de aromas por causa da colheita tardia. As uvas estão bem maduras e desenvolvem esse tipo de perfume. Ao contrário, se colhemos mais cedo, os aromas são verdes – explica ele.
A esta altura, tínhamos no prato um penne com berinjela e queijo bufalina, outro acerto. Boa companhia para um vinho do Gravner. Ambos a sublimação da simplicidade.
E o Ed Motta, em lance genial, pediu um pouco mais de brodo com mexilhões. Brilhante ideia. E ficamos ali, sorvendo Gravner e comendo mexilhões em nobre caldo. Falamos dos belgas, que são experts no assunto, e ainda têm muitas vezes a “petulância” de jogar um pouco de creme de leite no caldo. E, como se sabe, tudo pode ficar ainda melhor com creme de leite. E as batatas fritas?
– Sabia que na Bélgica a receita original é feita na gordura de cavalo? – perguntou o Ed. Ninguém sabia. E assim, vou ganhando mais razões para visitar este pátria cervejeira.
Longo final
O final foi apoteótico, pela combinação entre raridade e qualidade. O último vinho servido foi o Rujno 1999, cujo nome significa “vinho precioso para dividir com os amigos”, um Merlot de exceção, garrafas magnum trazidas nas malas de Josko e Mateja. – A primeira vez que provei este vinho foi às cegas. Fiquei ali, uma hora, tentando desvendar o que era. Até que cheguei à conclusão de que se tratava de um grande vinho do Pomerol. Acertei a uva, mas não poderia imaginar isso – lembra Guilherme Corrêa.
O vinho era isso mesmo, um Merlot de exceção, trazendo os aspectos caraterísticos desta uva quando (muito) bem trabalhada. A textura aveludada, mastigável, as notas de frutas em compota, nuances terrosas, um chocolatinho aqui, um alcaçuz acolá. No prato, um pernil de cordeiro com batatas, que não me chamou muita atenção, até porque, os olhos estavam todos voltados para o vinho em questão.
Encerramos com o precioso Marco de Bartoli Vecchio Samperi Ventennate.
Ao final, ninguém queria ir embora, e o povo foi ficando, ficando… Até que apareceu mais um Breg 2006, depois o Dettori Bianco, um Vermentino di Sardegna deste ótimo produtor ilhéu, e um rosé puro e fresco do Brasil, produzido pela Vinhética.
Ainda pude gastar mais alguns minutos papeando com o Gravner. Na hora da despedida, assim como já acontecera em novembro, quando o visitei no Friulli, dei um beijo no rosto e um abraço nele. Meus olhos se encheram de lágrimas, confesso. Pura emoção. Porque os vinhos de Gravner tocam o meu coração. De verdade.