O vinho é capaz de proporcionar coisas mágicas. Bom exemplo disso é comer uma azeitona entre goladas de um Manzanilla. Como algo tão simples pode ser tão bom?
O segredo da vida, no fundo, é esse. Fazer escolhas acertadas, extrair grande prazer das mínimas coisas, observar os ensinamentos do passado.
Região vinícola de caráter único, Jerez produz vinhos que não são reproduzidos em qualquer outra parte, fruto das características climáticas e da ação humana aprimorada ao longo do tempo. Entre os diferentes estilos, dos salinos aos extremamente doces, meus dois preferidos são o Manzanilla e o Palo Cortado.
O Manzanilla, como dizia, transforma uma mera azeitona, e nem é preciso que seja uma de grande excelência, pode ser uma simples e barata mesmo, numa coisa grandiosa. Com seu teor salino e untuoso, valoriza essas características da fruta. Mais que isso, se entende muito bem com tudo o que é salgado e gordo, de queijos como manchego e gorgonzola a jamón serrano e outras variedades de presunto cru, de peixes em conserva, como alici, boquerones, rollmops, arenque etc, além de embutidos e carnes curadas, de modo geral. Coisas como aspargos também ficam uma maravilha. Fora os mariscos todos: ostras, mexilhões, berberechos, fora preparações frias de crustáceos, como camarão e lagosta…
Para aperitivo, com aquelas mesas cheias de petiscos como os citados acima, não há nada que me faça mais feliz, nem mesmo um champanhe de boa cepa. Não entendam que ser ideal para aperitivo diminui o vinho, ao contrário. O engrandece, ao transformar a experiência trivial em algo marcante.
Um dos melhores Manzanilla que já provei eu só conheci no ano passado, e pude degustar umas cinco ou seis vezes, de lá para cá, só para confirmar a teoria. Trata-se Manzanilla Viva La Pepa, produzido pela Sánchez Romate, tradicional bodega familiar, estabelecida em 1781 e das mais respeitadas de Jerez.
Seco, salino e complexo, seu perfume é marcante e intenso, assim como seu sabor que sugere notas florais, é levemente picante, mas sem deixar de ser fino, elegante e delicado. Com 15% de álcool e três anos de soleira, o vinho produzido com a uva Palomino Fino é ensolarado e marinho, como a cidade de Sanlúcar de Barrameda, denominação própria da região de Jerez, na Andaluzia. Combina tanto com o Brasil esse vinho. De nossa comida típica, prove com manjubinhas e sardinhas, com queijos Canastra e outros maduros e ricos. Num churrasco, prove com linguiças apimentadas, de preferência as frescas e não curadas (como uma variedade muito comum em São Paulo, chamada dinamite, realmente explosiva: o Jerez limpa e alivia a pungência da pimenta).
Uma das vezes que provei esse vinho, foi numa degustação da Belle Cave, importadora que traz o vinho para o Brasil (tem um ótimo catálogo, no qual se destacam dois outros produtos que tenho imensa admiração, a Casa de Mouraz, do Dão, em Portugal, e a austríaca Nikolaihof, de Wachau). Poucos dias depois, num almoço tardio no Venga La Barra, foi o primeiro vinho que pedi, e acompanhou com brilhantismo três acepipes: o olhete curado na casa com gaspacho transparente e um toque de pimenta; o pincho de tartare de carne, com sour cream defumado e picles de cebola; e as ostras ao ajo blanco. Foi uma tarde sublime (para ler o post, clique aqui).
Custa, hoje, R$ 142 no site da importadora (https://www.bellecave.com.br/sanchez-romate-manzanilla-viva-la-pepa).