“Costumava-se denominar dândi, (em inglês, dandy) aquele homem de bom gosto e fantástico senso estético, mas que não necessariamente pertencia à nobreza.” Isso foi na virada do século 18 para o 19. Começou na Inglaterra, que acabou por influenciar todo o continente europeu, começando pela França.
Sendo assim, está muito bem batizado o delicioso e fresco Dandy de Cidrô, que conheci recentemente em almoço no Esplanada Grill, que tem essa beleza de vinho na carta.
O nome é bom, assim como vinho, que é elegante, da mesma maneira que o rótulo – que faz alusão a esse substantivo masculino, palavra que designava homens elegantes mas sem nenhum pedigree, no auge da aristocracia inglesa, nas primeiras décadas do século 19.
Faz todo o sentido. O vinho não é um Porto, tão amado pelos ingleses, e que igual não se consegue fazer em nenhuma outra parte do mundo. Nem mesmo pertence às castas mais importantes do Douro, mas se trata de uma preciosidade, uma uva quase extinta, a Samarrinho – no caso deste branco delicioso. São 80% desta variedade, que ganha o complemento da Cerceal, que entra no corte com 20% – que dando volume de pouco e certa musculatura na textura.
Mas existe um DNA tradicional: o vinho vem de família nobre, a Real Companhia Velha, que assim define essa linha, composta ainda por um tinto: “Um conceito que nasce de uma ideia muito simples: fazer vinhos do Douro – branco e tinto – leves, frescos, suaves, aromáticos e fáceis de beber, bem ao jeito de um Dandy, homem de caráter cativante e encantador. Vinhos para beber sem formalidades e rodeios, em qualquer ocasião.”
Acrescentam: “Elegante e atraente, aromaticamente muito fino e todo catita. Descrito assim,
não faz lembrar um Dandy?”, escreve a vinícola em seu site.
Também nasce em terreno de grande relevo social no mundo da enologia: a Quinta do Cidrô, nobre propriedade do Douro.
O resultado é um líquido límpido, com bonita coloração, e muito aromático. Encontramos perfumes de melão pele-de-sapo maduro, de flor de laranjeira e notas que vão reforçando o teor cítrico e frutado, deixando um discreto rastro mineral que é típico da zona, me lembrando grafite e pedra molhada – oriundo do xisto que é marca dessas vinhas do Douro. Elegante, tem apenas 11% de álcool, raridade para aquela região, e consegue se delicado, mas sem deixar de se impor na taça, na mesa e na boca. Tem vigor e tensão ao mesmo tempo em que se mostra fino e macio.
O que temos é um conjunto onde prevalece o frescor, lustrada pela acidez que lhe entrega tensão e alta capacidade gastronômica, podendo servir de amparo para pratos leves e delicados, assim como consegue sublinhar e elevar receitas mais intensas, com nível de gordura e sabores fortes, incluindo pimentas e ervas aromáticas (assim como ele).
Se for beber no Esplanada Grill, sugiro que peça o carpaccio de polvo. E mesmo os cortes suínos, incluindo embutidos, como a boa seleção de embutidos da casa – assim como o delicioso galeto desossado.
O vinho mostra aptidão para pratos picantes, e pode jogar uma pimenta na brincadeira, ou viajar pela Ásia, selecionando para ele receitas como um porco agridoce e picante típico da China; um bom curry de frango tradicional da Índia; ou ainda um curry verde de peixe, de lulas ou de camarão, versões populares na Tailândia e no Vietnã.
Queria, ainda, provar com moules et frites à provençal, com camarões ou amêijoas à Bulhão Pato, com porco â alentejana e mesmo com um bom naco de churrasco de lombo de atum (tipo o que existe no Satyricon).
Vai topar bem tanto sardinhas portuguesas – na brasa ou em conserva – quanto pinchos marinhos da Espanha. Ah, se vai…
Trata-se de um vinho com estofo para fazer bonito na mesa, como se fosse passarela do Dandy.
No mais, quase tudo o que é do mar lhe cai bem como roupa de alfaiate. Do jeito que um bom Dandy gosta, seja de Londres, seja do Cidrô, seja do século 19, seja dos dias atuais – como este que vos escreve.
O vinho é importado pela Barrinhas, e está à venda no site da empresa (pelo menos hoje, dia 23/10/23).