O mundo inteiro está saudoso. Essa noite sonhei com o Antiquarius.
Há uns dez dias decidi jogar a ansiedade de lado, e desde então tenho dormido mais e melhor.
Sonhei que estava lá, nos fundos do restaurante, numa mesa que eu gostava. Apoiei os braços na mesa acolchoada, aquela toalha macia.
Sem que fosse preciso pedir, chegou o couvert.
Senti primeiro o sabor do queijinho fresco, colocado sobre a torrada mais fina que me lembro ter visto.
Depois, rissoles de camarão e bolinhos de bacalhau, pimenta nos dois, azeite no segundo. Uma colherada de queijo da Serra da Estrela, um naco de patê, a berinjela…
Tirei uns petiscos da mesa e apoie na vizinha, não uma pessoa, uma outra mesa. Para tirar foto pro Instagram.
Clicava para mostrar aquela beleza. Pensando bem: o couvert do Antiquarius nem é tão monumental. Mas ele é o prenúncio do que virá.
Só tenho memórias lindas de lá, desde a infância até os últimos meses da casa.
Pensava no que pedir. Perna de cordeiro à moda de Braga, com feijão branco, tinha a liderança, frente a tantos bacalhaus memoráveis.
Não era domingo, porque se fosse eu iria no cozido, certo.
Lembrei do picadinho e dos escalopinhos ao roquefort que pedia na infância. Mas, não, desta vez, não. Sabia que era uma despedida.
Camarões à Zico, seriam evidentemente pedidos como entrada. Chouriço na bagaceira? Aceito.
E que tal bochechinhas de javali com favas verdes?
Me deu uma agonia… Como posso esquecer do arroz de paro?!?!?! Fiquei chocado.
O vinho seria Alentejano. Mouchão com certeza eles têm. Mas será que a adega guarda algum Tonel 3-4 antigo?
Será que vão ter um bom Madeira para a sobremesa?
Refletia sobre o cardápio, que é igual a vida: feito de escolhas.
Quando voltei à mesa, já não tinha mais couvert. Tinha acabado. Como de praxe, solicitei reposição, dos bolinhos de bacalhau e dos rissóis.
Antes que chegassem, eu acordei.
Em tempos de crise virológica, em vez de ficar triste com o corte abrupto, fiquei feliz e aliviado. Não precisaria pagar a conta.