Comi pratos de arroz em quase todos os dias da viagem a Portugal. Exceto no último domingo, véspera da volta, quando passei a tarde entre a Vila Nova de Gaia e o Cais da Ribeira. Foram momentos deliciosos, que me fizeram escrever sobre eles (leia aqui), e celebrando o jeito português de preparar o grão. Não tem para o risoto italiano, nem muito menos para a paella espanhola. Nem para qualquer receita asiática, seja chinesa, japonesa ou tailandesa, ou do mundo árabe. Os portugueses são os reis do arroz.
Para coroar esta tese que é muito concreta eu recorri ao restaurante O Gaveto, uma autoridade no assunto, especializado, ainda, em pescados – é uma das principais referências nacionais e de Matosinhos. Com o perdão do clichê, um templo dos peixes e frutos do mar, onde reluzem à entrada aquários onde nadam sapateiras e lagostas, incluindo as lavagantes, as desejadas homard bleus, as azuis, de duas patas. Rara iguaria.
Pois.
Lá fomos nós, para o almoço de despedida. Reserva no fim do salão. Acatamos os pedidos do João Manuel Fonseca, sócio da casa, que trabalha uniformizado como todos no salão, que ele comenda com elegância. E competência nas sugestões.
Botamos um Morgado da Vila para gelar e pedimos uma taça do vinho da casa, produzido por Anselmo Mendes. Acabamos ficando com as duas garrafas.
Para começar, sugestão do maître, um trio marinho composto por lingueirões tostados, gambas al alho e amêijoas à Bulhão Pato, algo que só pode ser chamado de sublime e perfeito.
Conjunto ideal para a dupla de vinhos, desses que nasceram para este ofício gastronômico que é se combinar com a comida, sendo sempre algo que eleva o patamar de pratos de pescados.
Logo em seguida veio outra indicação do João: o arroz de lavagante, que serve até três, de fato com fartura.
O panelão chega perfumando tudo. Nadam nele, avermelhado e caldoso, pedaços de lagosta azul. O tal lavagante. A pimenta da casa é levada à mesa (peça logo que chegar, os mariscos da entrada pedem também umas gotas).
Pois.
– São ovas? – pergunto, ao ver a tampa sair levantando o vapor e revelando o conteúdo.
– Sim – responde o garçom.
– De Lavagante? – e ele confirma.
– Sempre tem? – insisto.
– Depende, há lavagantes e lavagantas – diz, meio maroto, e com discreto sorriso no canto da boca o João.
É comum que haja ovas, e elas finalizem o prato de modo divino. Mas, pelo que entendi, também é um golpe de sorte. Se for, já agradeço. E, se não for, também.
O prato extrapola os limites do divino. Maravilhoso – em toda a sua simplicidade: é só um arroz de lavagante. Mas… senhoras e senhores… Que arroz. Que lavagante. Que caldo. Que conjunto. Que pimenta. Que prato, que hipérbole do sabor e das texturas, dos aromas.
A carne é delicadamente retirada da carcaça, que é usada no preparo do caldo, saboroso, perfumado e denso, untuoso e inesquecível, que cozinha o arroz. Há desde os maiores pedaços das pinças do crustáceo, mas também suas pernocas mais delicadas, com suas hastes de textura e sabor incomparáveis. São várias peças distintas de uma lagosta.
O resultado é um arroz cremoso, de profundo e delicado sabor, que envolve e seduz. Das melhores coisas a se comer. Soberbo. Sublime arroz.
O Gaveto é um compartimento que guarda um tesouro: arroz de lavagante, e seu trio de mariscos.
SERVIÇO
O Gaveto: Rua Roberto Ivens 826, Matosinhos – Portugal. Tel.: +351 (229) 378 796.
https://ogaveto.com Instagram: @ogaveto