O exuberante arroz de lavagante d’O Gaveto, em Matosinhos, templo dos pescados

A caldosa panela é um verdadeiro tesouro da gastronomia portuguesa – Foto de Bruno Agostini®

Comi pratos de arroz em quase todos os dias da viagem a Portugal. Exceto no último domingo, véspera da volta, quando passei a tarde entre a Vila Nova de Gaia e o Cais da Ribeira. Foram momentos deliciosos, que me fizeram escrever sobre eles (leia aqui), e celebrando o jeito português de preparar o grão. Não tem para o risoto italiano, nem muito menos para a paella espanhola. Nem para qualquer receita asiática, seja chinesa, japonesa ou tailandesa, ou do mundo árabe. Os portugueses são os reis do arroz.

Para coroar esta tese que é muito concreta eu recorri ao restaurante O Gaveto, uma autoridade no assunto, especializado, ainda, em pescados – é uma das principais referências nacionais e de Matosinhos. Com o perdão do clichê, um templo dos peixes e frutos do mar, onde reluzem à entrada aquários onde nadam sapateiras e lagostas, incluindo as lavagantes, as desejadas homard bleus, as azuis, de duas patas. Rara iguaria.

Pois.

Lá fomos nós, para o almoço de despedida. Reserva no fim do salão. Acatamos os pedidos do João Manuel Fonseca, sócio da casa, que trabalha uniformizado como todos no salão, que ele comenda com elegância. E competência nas sugestões.

Botamos um Morgado da Vila para gelar e pedimos uma taça do vinho da casa, produzido por Anselmo Mendes. Acabamos ficando com as duas garrafas.

 

Trio de mariscos: lingueirões, amêijoas e gambas – Foto de Bruno Agostini®

Para começar, sugestão do maître, um trio marinho composto por lingueirões tostados, gambas al alho e amêijoas à Bulhão Pato, algo que só pode ser chamado de sublime e perfeito.

Conjunto ideal para a dupla de vinhos, desses que nasceram para este ofício gastronômico que é se combinar com a comida, sendo sempre algo que eleva o patamar de pratos de pescados.

Logo em seguida veio outra indicação do João: o arroz de lavagante, que serve até três, de fato com fartura.

O panelão chega perfumando tudo. Nadam nele, avermelhado e caldoso, pedaços de lagosta azul. O tal lavagante. A pimenta da casa é levada à mesa (peça logo que chegar, os mariscos da entrada pedem também umas gotas).

 

Pois.

– São ovas? – pergunto, ao ver a tampa sair levantando o vapor e revelando o conteúdo.

– Sim  – responde o garçom.

– De Lavagante? – e ele confirma.

– Sempre tem? – insisto.

– Depende, há lavagantes e lavagantas – diz, meio maroto, e com discreto sorriso no canto da boca o João.

É comum que haja ovas, e elas finalizem o prato de modo divino. Mas, pelo que entendi, também é um golpe de sorte. Se for, já agradeço. E, se não for, também.

O prato extrapola os limites do divino. Maravilhoso – em toda a sua simplicidade: é só um arroz de lavagante. Mas… senhoras e senhores… Que arroz. Que lavagante. Que caldo. Que conjunto. Que pimenta. Que prato, que hipérbole do sabor e das texturas, dos aromas.

A carne é delicadamente retirada da carcaça, que é usada no preparo do caldo, saboroso, perfumado e denso, untuoso e inesquecível, que cozinha o arroz. Há desde os maiores pedaços das pinças do crustáceo, mas também suas pernocas mais delicadas, com suas hastes de textura e sabor incomparáveis. São várias peças distintas de uma lagosta.

O resultado é um arroz cremoso, de profundo e delicado sabor, que envolve e seduz. Das melhores coisas a se comer. Soberbo. Sublime arroz.

O Gaveto é um compartimento que guarda um tesouro: arroz de lavagante, e seu trio de mariscos.

SERVIÇO
O Gaveto: Rua Roberto Ivens 826, Matosinhos – Portugal. Tel.: +351 (229) 378 796.
https://ogaveto.com Instagram: @ogaveto

 

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