Ainda o bacalhau.
Entre as muitas receitas de bacalhau que eu já provei, sejam as clássicas, sobretudo de Portugal, da Espanha e da Itália, tenho alguns preferidos.
Indo do Oeste a Leste, a primeira parada é em Portugal, e começa com bolinhos de bacalhau e finaliza com o bacalhau à lagareiro, que é para mim a melhor entre todas as preparações, valorizando os dois ingredientes principais: o peixe salgado e o azeite (lagar é o local que se produz o óleo de oliva, e também o vinho, em algumas vinícolas). Na brasa é outro preparo que me comove, em sua simplicidade.
E onde comer bacalhau no Rio? Em primeiro lugar, esse locais indicados trabalham com Gadus Mohua, o único, legítimo e universal bacalhau. Em segundo lugar, todos estão entregando nessa Semana Santa, através de vários meios: serviço próprio ao via Apps, como Rappi e iFood (ou servindo para “pague-e-busque”).
Daí, fico triste ao lembrar do fim do Mosteiro, vítima da Covid-19, que servia excelentes bolinhos, e também um bacalhau à lagareiro matador – no melhor sentido.
Eu tenho uma lista de portos seguros, começando pelo Rancho Português, que serve uma versão não menos que sublime do lagareiro. O cardápio é recheado de pratos com o peixe, das entradas mais comuns, como os bolinhos, eles preparam coisas como Salada do Rancho, com folhas verdes, endívia, lascas de bacalhau, grão de bico, batatas em cubo e salsinha. Aqui no Brasil não é muito comum, mas em Portugal encontramos muitas receitas que usam espinafre. O Rancho tem um interessante exemplar: chama-se dignamente tigela de Bacalhau dos Reis, e leva a carne desfiada, com camarões, espinafre, batata e molho branco gratinado. Para os pratos são mais de dez versões, e é difícil eu não gostar de um prato de bacalhau. Mas tenho dificuldade de pedir outra coisa que não seja o lagareiro, com uma vistosa e longa posta assada em abundante azeite, com cebola, batatas assadas, brócolis, pimentão, alho, salsinha e azeitonas com caroço.
Outro endereço certeiro, ainda em Ipanema, para provar o bacalhau é o restaurante Gajos d’Ouro. Quando estive lá no final no ano passado (link aqui para o post), fiz um menu que passou longe do bacalhau, como se vês neste post (o bolinho do couvert – excelente – foi a exceção). Mas, como os pratos estavam todos até melhores do que o Antiquarius, posso julgar que o mesmo se passa com o bacalhau. O lagareiro, cuja receita apresentamos ontem aqui, é a grande estrela neste setor do menu. Ao todo há mais 12 pratos de bacalhau. Eu adoro um prato que é raro de se ver, a meu ver porque é de difícil execução: a açorda. Apenas prove, com um belo branco do Dão na taça.
(Ainda sem existir fisicamente, o Antiquarius está entregando, e quando pedi arroz de pato ele veio excelente. Eles estão mandando fartas porções, para três ou quatro pessoas: tem á portuguesa, o lombo grelhado e finalizado ao forno com tomate confit, lâminas douradas de alho, batatas assadas no azeite extra-virgem, brócolis preparados no vapor, cebola fatiada e ovo cozido ao ponto; e o lagareiro, é claro). Para ler um post, clique aqui.
A lista é vasta, como se sabe o bacalhau é especialidade da cozinha urbana carioca. Ainda pela Zona Sul, o Guimas (que completa 40 décadas este ano) é tradicional recanto para se sentir alguns sabores da Terrinha. Isso porque as famílias Guimarães e Mascarenhas (sacou o nome?) têm origem portuguesa, e desde o início da casa em 1981 receitas como o bacalhau, com as que estão em cartaz atualmente (o esparregado, com batatas ao murro, tomate confit e cebola; e o da Comporta, com molho de azeite e ervas, lascas de batata e cebola), estão no menu, sempre com destaque. Bolinhos de bacalhau? Claro que tem. Tem até uma röesti de bacalhau.
A Cozinha Artagão é um local de um único prato de bacalhau, mas com a pegada contemporânea do chef Pedro de Artagão, serve algo diferente e que julga imperdível, clássico da casa: o arroz de bacalhau, que obviamente faz parte do menu especial de Páscoa que será entregue esses dias. Não conseguiu pedir? Espere as coisas acalmarem e vá lá conferir.
Do mesmo chef, o Boteco Rainha foi das mais gratas e despretensiosas novidades de 2020. Inspirado em tascas portuguesas mas com o DNA carioca, o lugar serve bolinho, punheta, arroz e lagareiro.
Tem outro lugar que me emociona, mas que não vou há algum tempo (saudades!), mas cuja qualidade eu atesto pelo histórico do lugar, mas também pelos copiosos elogios que recebo de amigos com opiniões superpositivas sobre este lugar: o Adonis, em Benfica, bar histórico dessa área de forte presença da comunidade portuguesa no Rio. Dizem que com a nova administração, desde o ano passado, aos cuidados de João Paulo Campos, dos grandes profissionais do ramo no Rio, com passagem por Antiquarius e Fasano al Mare.
Pertinho dali, a uma caminhada curta, está o Cadeg, que não só é o melhor lugar do Rio para se comprar bacalhau, tem dois lugares que são na minha opinião referências no assunto: o Cantinho das Concertinas, recanto famoso pelos seus pescados na brasa (bacalhau e sardinha brilham, e perfumam o pedaço) e pelas festas minhotas que começam no final da manhã de sábado e vão tarde adentro. E o Barsa, cujo chef, Marcelo Barcellos, de raízes portuguesas, como o nome indica, é para mim uma autoridade quando o assunto é bacalhau.
Ontem, Barcellos mandou o recado, via Facebook: “Agora o Barsa está em casa! Estamos fazendo entregas, de segunda à segunda! Nas fotos, punheta de bacalhau, bruschetta de bacalhau com cebola roxa, moqueca de pirarucu selvagem com haddock e farofa panko, e o Bacalhau Rei, clássicos Barsa. Boa Páscoa, saúde e paz! Namastê!”. E eu estou só avisando. Curioso para saber como o bacalhau Rei? Vos digo: trata-se do lombo, dourado no azeite extra virgem, com batatas e alhos dourados, acompanhado de couve e cebolas cozidas na própria água do bacalhau, ovos cozidos, alcaparras e azeitonas portuguesas. Tá bom para você?
Na mesma área, um pouquinho mais distante (tem que pegar condução), o Adegão Português é um ícone da cozinha lusitana no Rio. Com a pandemia, sofreu como todos, e fechou a casa de Ipanema. Mas o endereço original, em São Cristóvão, é o mais tradicional dos restaurantes portugueses do Rio, reduto natural da torcida e da diretoria do Vasco. Meu avô, vascaíno, muito me levava lá na minha infância, bem pequenininho mesmo. Saudosas lembranças. Claro que servem um excelente lagareiro (assado com azeite e batatas, ao molho de alho, cebola em tiras e açafrão, guarnecido com arroz de brócolis), e mais vários e vários pratos de bacalhau. De tudo o que comi naquela casa em frente ao Pavilhão, o bacalhau – sempre em postas bonitas – nunca decepcionou. Será que são especialistas em bacalhau? Bem, o menu divide os pratos com o peixe em cinco categorias: postas assadas, postas fritas, postas cozidas e gratinadas, desfiados e lascas. Somando com as entradas são quase 30 versões de bacalhau.
Cruzando a Ponte, jamais podemos nos esquecer da Gruta de Santo Antônio, e do Seu Antônio, ambos em Niterói. Em ambos, podemos pedir o bacalhau de olhos fechados. Você deve estar vendo, nos últimos anos, a quantidade imensa de lugares que servem uma versão do bolinho de bacalhau recheado com queijo da Serra da Estrela. Eu nunca tinha visto em nenhum lugar do mundo, nem Brasil ou Portugal, essa receita. Vi, pela primeira vez, há mais de dez anos, na mesa da Gruta de Santo Antônio, e foi amor à primeira vista.
Ficou com desejo do bolinho recheado? Além da Gruta é preparado em lugares para a Tasca Filho da Mãe, na Barra, e no Bar do Momo, na Muda (aliás, o bolovo de bacalhau do Toninho é genial!), entre muitos e muitos outros.
Eu me preparava para encerrar este texto passeando ainda por Espanha e Itália. Mas já está muito grande, e vou dividir em dois. Porque a pátria do bacalhau é Portugal. A dupla citada é coadjuvante. Ainda hoje no ar (neste link aqui).
E MAIS
– Receita para a Páscoa: aprenda a fazer a versão do bacalhau à lagareiro dos Gajos d’Ouro
– Retrato de um Prato: lagareiro, o melhor e mais simples de todos os pratos de bacalhau