Nem precisavam apelar para as rãs da avó do Bondoux. Já seria sublime o jantar sem essa receita que me marcou, desde que a experimentei pela primeira vez esse petisco provençal, marcado pela simplicidade dos ingredientes e da técnica de preparo, mas é preciso muito talento para isso. Foi a cereja de um lindo bolo. É a glória, servida numa bonita cumbuca de cerâmica (aliás, são lindas as louças deste restaurante, que ano passado recebeu o merecido reconhecimento de melhor francês do Rio, pela Veja).
Que seja tombado este prato! Que foi tema do post de ontem (para ler, clique aqui).
Como já contei no texto, as rãs não estavam previstas no menu: foi uma cortesia do chef francês que é consultor do L’Etoile desde a sua inauguração, em 2014. Eu estava lá pra conhecer o primeiro cardápio desenvolvido pelo jovem Matias Cifuentes, um chileno de 29 anos, que chegou aqui há 9, justo para inaugurar o L’Etoile.
Com a saída do seu conterrâneo Felix Sanchez, para o Místico, em Búzios, ele assumiu a cozinha, e está lançando seu primeiro cardápio autoral, com inspiração na primavera e valorizando os peixes e frutos do mar. Ao longo do jantar percebi o quanto ele valoriza a sua equipe, e o quanto está entrosado o time, liderado pelo chef executivo Valdir Ramos. No final, fizemos uma foto. Agradeço pela noite, porque além da excelente comida, foi temperada pela simpatia imensa no serviço. Parabéns a todos.
Como dizia, os pescados são o norte do novo menu, mas as carnes brilham também, desde o início, com o rosado patê de foie gras, até o fim, através da costeleta de cordeiro e do prime rib. Fora as indispensáveis mignardises.
Reserva marcada. Chegando à mesa, já estava lá o couvert, com o foie gras e a compota de figo. De olhar, já logo me chamou a atenção pela cor bonita, típica das melhores mousses do legítimo foie gras francês. Alto nível de preparo, o preciso ponto de cozimento do fígado gordo, o tempero na medida exata e a textura perfeita.
Daí, dois duetos marinhos subiram à mesa, para o baile de gala, dançando sobre a cama de grãos e folhas de capuchinha: apresentação caprichada, pensei. Franceses chamariam essa etapa de amuse bouche, ou seja “diverte a boca”. Foi até mais que isso. Verdadeira delícia.
Uma dupla de ostras, gordas e bem saborosas, foi bem interessante apreciar: uma, crua, trazia um toque de limão marroquino, aquele siciliano curado no sal; outra frita em panko, servida com sorbet de abacaxi e creme de ostras, incrível combinação de sabores e texturas.
Ao lado, outra dupla, desta vez de bases finas e crocantes: uma de semente de girassol, outra de gergelim. Sobre a primeira havia um pequeno pedaço de polvo, glaceado em demi-glace, com toque de laranja e bottarga. Dá pena ser um só. Poderiam ser 50. C’Est maginifique!
Sobre a hóstia fina e delicada de gergelim um tartare de atum com tzaziki, uma combinação certeira. Notável a delicadeza dos “crocantes”, quase um biscoitinho que poderíamos comer sozinhos e aos montes.
A entrada foi a combinação de vieiras com palmito, que é certeira. Este prato estava leve e refrescante, equilibrado, ainda que com muitas camadas de sabor. Havia coco, lima, baunilha e um tartare de banana-da-terra em comunhão, adornando o crustáceo e esta fina iguaria nativa de nossas palmeiras que eram as estrelas da companhia.
O robalo como pode se ver veio com a pele perfeitamente tostada e crocante, ao mesmo tempo em que o peixe estava no ponto correto, suculento, porque usaram a salamandra muito bem na finalização. O vinagrete de quiabo assado me encantou, pelo sabor e textura.
Havia ainda uma bisque, molho clássico francês que é uma prova de fogo para revelar o talento de um chef, e que enfeita qualquer receita de pescados. Mathias e equipe foram aprovados com louvor no teste da sopa de cascas de crustáceos. Queria uma cumbuca, uma colher e uma taça de Oloroso.
Nesta hora, veio o prato de rã, que descrevi assim no post: “Não considero exagero definir esta receita como divina, com perninhas do anfíbio tostadinhas no Maillard amanteigado da noisette que se forma na frigideira, com alho em abundância e salsinha. No topo, delicados brotos, de sabor marcante, e as amarguinhas e picantes folhas de capuchinha. A coroa, em vez de estar em cima, fica como base de tudo, acomodando os pedacinhos da delicada carne como se fosse um ninho. Digna de realeza, o espiral de batatas é mesmo uma joia. Dá mais que beleza à composição, mas também textura, e serve pra finalizarmos comendo com o molho imperdível. Peça colher pra isso. O resto, coma com as mãos mesmo.”
Chegaram, então, as carnes. Novamente, duas etapas.
(Queria, aliás, falar do andamento do menu, em oito passos, dividido em quatro grupos de dois preparos, perfeitamente desenhado e seguindo a regra clássica da escola francesa tradicional. Sem ser exagerado na quantidade. Boas-vindas, com aperitivos divertidos, entrada e primeiro prato, com pescados, depois uma ou duas carnes, e a sobremesa, além das mignardises sempre necessárias. Tipo um jantar de gala. Foi isso. Custa R$ 390, e está muito bem colocado em termos de preço e do que entrega. Dos melhores restaurantes do Rio, sem dúvida. A vista noturna do Leblon e de Ipanema vem de brinde).
Voltamos aos carnívoros. Primeiro, um carré de cordeiro neste ponto aí de cima, numa crosta íntegra e uniforme, de verde vivo, muito bem acabada, e com sabor amanteigado e herbáceo. Um purê bem cremoso de queijo boursin emprestou uma bem-vinda acidez e frescor, uma vez que o prato era denso, pela carne de sabor marcante e seu roti intenso e fúngico, enobrecido com cogumelos morilles.
Depois, um corte lindo de prime rib de black angus, finalizado na pequena parrilla que faz toda a diferença na cozinha, finalizando outras preparações. Repare novamente no ponto. Outro purê de notável cremosidade era de inhame, e a composição era finalizada com manteiga noisette e um naco de foie gras poelée. Trés bien, diriam.
– É uma reinterpretação do tornedor Rossini – disse o chef.
Muito bem-feita, pensei eu.
Outro nome surgiu, e brilhou naquela naquela noite: Elena Ricaurte. Parabéns.
Chef patissier argentina, com passagem pelo Oro, faz doces pouco açucarados, delicados e com acabamento nesta linha que é puro artesanato, trabalho manual, de precisão e paciência. De ciência. E sapiência, de escolher um pré-desert como a combinação bonita entre um purê de beterrabas com chocolate, ameixa, hibisco e iogurte, que aparece em forma de sorvete, limpando a boca, e dando vontade de pular para um doce.
Mas, não tão doce. Era um choux de chocolate, de caramelo, flor de sal, castanha-de-caju e um sorvete de caramelo salgado. De um mesmo sabor, brincou com texturas. O chamado grand finale.
Mas, não, eu nem queria café, mas curioso e interessado no trabalho dela, tratei de pedir os meus, para provar as mignardises.
O prato foi desses que me agradam em cheio. Divertido, é tipo um amuse bouche do final. Muito bom, seria o nono e derradeiro desde jantar: dois macarons clássicos, um de pistache e outro de maracujá, além de uma delicada marmelada, e uns bombons coloridos…
Terminou assim.
SERVIÇO
L’Etoile: Hotel Sheraton Rio, Av. Niemeyer 121, Leblon. Tel.: 2529-1299. letoile-rio.com.br Instagram: @letoilerio
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