Uma das minhas sortes é ser bem abastecido de preciosas informações por amigos que conhecem minhas predileções.
O Fernando Bartolomei é um dos que hoje me brindam com dicas que eu procuro seguir, por altamente confiáveis que são.
Pois andamos a falar da Espanha, antes, durante e depois de minha deliciosa viagem a Madrid e Galícia.
Logo ao voltar, o encontrei no ônibus, como sempre, mas dessa vez eu me sentei mais perto, e papeamos rapidamente.
– Você precisa provar o fideuá do Fim de Tarde – indicou.
– Vamos juntos – respondi.
– Só posso às quintas
– Ok, marcamos.
Mas, eu não resisti à curiosidade: ao ter um compromisso cancelado na sexta, estando no Centro, não pensei duas vezes, e fui até à Rua Miguel Couto 105.
Entrar ali pra mim é como estar num porto seguro, onde sei que vou comer muito bem, encontrando um menu confortável, e com geo-referência: base clássica de matriz espanhola, onde é certeiro pedir tortillas e croquetas, sardinhas assadas e empadas de camarão, bolinhos de bacalhau e pulpo à feria, langostinos al ajillo, e por aí vemos, quem sabe pedindo uma parrillada à moda das Rías Baixas, de onde acabo de voltar, aliás.
Acho um lugar tranquilo, com mesas espaçadas, com clima elegante que remete ao início dos anos 1970, quando a casa foi inaugurada. Tem biombos que deixam o ambiente ainda mais discreto, inclusive porque o público ali é formado por executivos do Centro, e a clientela é fiel.
A família Alonso é originária da região ao Norte da Espanha, onde se comem os melhores pescados do mundo, um reino de iguarias sublimes do mar, entre peixes e crustáceos. Isso explica porque comemos tão bem ali, sobretudo os pratos típicos da Espanha, com especial importância a notável seleções de receitas marinhas, atlânticas, épicas, netûnicas.
Como dizia… não resisti, e fui até lá almoçar de modo preguiçoso, esperando meu ônibus para subir a serra.
Fui recebifo pelo anfitrião Marcos Alonso, gentil e sempre atento. Ele está sempre no salão, e é muito requisitado pelos fregueses, que fazem questão de seguir suas sugestões e serem servidos por ele, pessoalmente. Já faziam isso com seu pai, o fundador do restaurante, um dos tantos empresários do ramo de origem galega. (Assunto que, aliás, rende um post que farei em breve, cruzando com informações que trago na robusta bagagem de memórias sensacionais da recente viagem a essa região fascinante, destino de peregrinos religiosos, e também gastronômicos, como eu, ainda que também tenha devoção católica).
Cheguei domingo de Santiago de Compostela, e rumei em direção a uma representação galega em terras cariocas, que é o Fim de Tarde, espécie de embaixada de lá.
A ideia era comer o fideuá, mas ali é preciso tapear.
Você chega e é logo recebido pela sopa do dia, um acalanto quentinho servido no pote. Era de ervilha, com com notável tempero e textura, de chamar mesmo a atenção. Já pedi uma pimenta e chegaram, com ela e em sequência um ramequim com frutas portuguesas perfeitas, sequinhas, salgadinhas e estalantes; e uma duplinha de frituras que devem ser o abre-alas de um almoço ali: bolinho de bacalhau e croqueta de jamón. Ah, e também um pratinho, com aioli e uma espécie de chimichurri. Três molhos, três petiscos, e uma infinidade de prazeres.
Daí, então, surgiu uma sugestão irrecusável:
– Vou te servir uma lula en su tinta. Está no fim da temporada, não sei até quando terei, preciso delas frescas pra extrair a tinta – anunciou o Marcos.
Pois, então, surge o prato, lindamente sujo com a tinta implacável, que mancha a roupa do mesmo modo que marca a nossa memória gustativa pra sempre.
Tratei de usar o guardanapo como babador, e tive momentos de gigantesco prazer, comendo lentamente cada pedaço, reparando o sabor e a textura precisa de cada pedaço dos te tentáculos e do corpo da lula. Usei o que tinha, o aioli, a pimenta e as fritas. Limpei o prato com as torradas.
O molho é fantástico, e leva caldo de frango, nobilíssimo, o mesmo que enriquece a sopa do dia, potencializando o sabor de tudo, entegando ainda o característico colágeno que alarga a textura do molho. Tudo isso, com as torradinhas, o aioli, as fritas, a pimenta, o copo de vinho branco. Que atmosfera, ativação de memórias, recordações que ficam pra sempre.
Tem pratos que são monumentos. Esse é um deles.
O fideuá veio, e entregou um fecho de ouro ao almoço, seguido por pão de mel com doce de leite.
Tudo ficou gravado eternamente no coração e nas mais sublimes memórias. Tudo, graças à lulas tingidas, que pintaram essa recordação indelével e eterna.
Algumas tardes duram pra sempre, no Fim de Tarde.
SERVIÇO
Fim de Tarde: Rua Miguel Couto 105, centro. Tel.: 2516-2409. www.fimdetarde.com.br Instagram: @restaurantefimdetarde
Fim de Tarde: Rua Miguel Couto 105, centro. Tel.: 2516-2409. www.fimdetarde.com.br Instagram: @restaurantefimdetarde