Não posso dizer que o Dão me surpreende pela elegância de seus vinhos, marcados por frescor e profundidade, leveza e densidade, potência e maciez. Já sei disso há tempos, e cada vez mais. Mas é certo que ainda hoje muitas garrafas, mesmo que abertas sem grandes ambições, ainda chamam a atenção, e chegam a causar espanto, sim.
Aconteceu há pouco tempo, em muito agradável encontro, no feriado de Corpus Christi, um dia antes da abertura do Vinhos de Portugal, grandioso evento dedicado à enologia do país, um sucesso. Isso traz ao Brasil a nata da produção portuguesa, os melhores enólogos participam. Como é o caso da família Lourenço, que cuida com esmero e entusiasmo da Quinta dos Roques, uma vinícola de primeira, com o perdão do trocadilho infantil. Tive a sorte de almoçar com Luís e José Lourenço, pai e filho, que trabalham junto na vinha, na adega e no marketing. Cultivam 22 variedades de uvas, 16 tintas e seis brancas.
– Somos pequenos para só fazer os vinhos que gostamos. Se não vendemos, temos que beber – brinca Luís, que desde nosso primeiro e casual encontro, ano passado na Tasca Henriqueta, se mostrou a simpatia em pessoa. Seus vinhos, eu já aprecio há tempos, e eles nunca decepcionam.
O que quero dizer é que esta propriedade sabe como poucos valorizar o caráter local, prestigiando a mais nobre tradição do Dão. Para isso, têm a fortuna de um terreno especial, que conseguimos facilmente enxergar nos vinhos. Para além da fruta exuberante que marca os dois rótulos que embalaram aquele almoço no Ráscal do Shopping Leblon, podemos encontrar as nuances do solo, sentir os brisas que sobem, em forma de notas de giz no Encruzando, e de grafite no tinto. São os tons minerais que dão relevo e perfumes terrosos, que entregam elementos que lhe adornam, dando moldura granítica à fruta que surge em forma de cítricos diversos, em flores de laranjais, e num toque de erva do campo. A barrica coloca ainda bem dosadas pinceladas de manteiga, um toque untuoso e gordo, que contribui com a estrutura na boca. Mas, que lindo vinho é esse Encruzado 2021 da Quinta dos Roques. Fiquei imaginando em voz alta essa garrafa escoltando um belo polvo à lagareiro…
– Pois imagine também com um bacalhau com natas, ou com um queijo da Serra da Estrela – disse com gosto Luís Lourenço, coberto de razão, já me fazendo salivar.
Então vem o tinto, enquanto a gente se servia do sempre bom polpetone com molho de tomate do Ráscal. O Colheita Tinto 2019 tem 45% de Touriga Nacional, o que já era de se esperar, com as notas evidentes de violetas e ameixas, os frutos negros que vão desfilando no nariz: mirtilo, amora, ginginha. Então, reparo que não era violeta, mas uma nota que considero ainda mais nobre, um passo acima desta em termos de delicadeza: rosas vermelhas, que são um oferecimento da Touriga. Mas, quem traz esse balaio de frutas é a Tinta Roriz, as negras, e a Alfrocheiro, as vermelhas, enquanto a Tinto Cão oferta os perfumes balsâmicos. Noto canela, de leve, talvez um zimbro. E o grafite que já tratei lá em cima. Muito grafite. Também percebo umas especiarias mais picantes, como pimenta Síria. Percebe-se que o vinho ainda está jovem, mas dá imenso prazer em beber. Certamente, em dez anos dará ainda mais, penso eu. Que notável acidez, que frescor, que presença marcante, no nariz e na boca, mas com tamanha elegãncia.
O polpetone foi ótima harmonização. Mas, uma paleta de cordeiro me apeteceu naquele momento. Pensei também na famosa vitela de Arouca, especialidade da região do Dão – poderia ser a deliciosa novidade da Churrascaria Palace, o ancho de búfalo. Ou mesmo alguma caça. Recentemente, comi um excelente capote (galinha d’angola) na Barraca da Chiquita, em Copacabana: mas, como cairia bem! Com uma carne de pato, idem: lembrei foi do arroz de pato dos Gajos d’Ouro… Meu Deus, eu preciso provar isso, urgentemente. Arroz de pato com este Quinta dos Roques Colheita… eu quero!
– Este vinho é o mais importante de nossa casa. A ideia é mostrar a região, e o nosso próprio estilo – observa Luís.
Estás em bom caminho, amigo Luís. Percebi tudo. Obrigado.
A Decanter importa os vinhos. O Colheita 2018 está por R$ 160, neste link (hoje, 19/6/23). Já o Encruzado 2021 está por R$ 216, neste link (hoje, 19/6/23).
Para o site da vinícola, use este link.