A Churrascaria Palace vem me surpreendendo nos últimos anos não só pela qualidade das carnes, mas também pelo acerto na escolha e no preparo de pescados. A começar por um que sequer exige preparo: a ostra, que pode ser servida crua ou gratinada. Eu prefiro a primeira. Gira bastante e está quase sempre bem fresca.
Depois, brilham os bolinhos de bacalhau, esbanjando cremosidade, que usa 100% Gadus Mohua – e a receita é legitimamente original: da mãe de Antonio Saraiva, sócio da casa, imigrante portuguesa que chegou ao Brasil ainda anos anos 1950.
Depois, seguindo meu ritual, eu peço uma casquinha de siri. Acho muito boa, e melhor ainda com a ardente pimenta Fogo Mineiro, com a violenta Carolina Reaper, além de um pouco de azeite.
Depois, vou no pirarucu.
Às vezes peço uma salada de frutos do mar.
Nos fins de semana, com a volta do bufê, há um aumento na oferta de pescados, com paella etc. E sempre podemos pedir um bom haddock no cardápio do sushi bar.
Certo dia, conversando com um amigo que me acompanharia num almoço na Palace na semana seguinte, eu elogiei os quatro primeiros itens, com ênfase: ostra, bolinho, casquinha e pirarucu.
– Até acredito que seja boa a casquinha. Mas, Bruno, muito cá entre nós. Não é siri… Ninguém usa, todo mundo sabe. É carne de arraia, provavelmente. Engana bem – disse ele.
– Tenho certeza de que não. Eu conheço bem os produtos deles. Sei, por exemplo, que quando tem peito de peru com bacon é peru mesmo, e não frango. É tudo do bom e do melhor.
– Não posso acreditar.
– Tenho certeza de que sim – encerrei o assunto, aproveitando que almoçaria lá em seguida para perguntar a respeito.
Chegando na Palace, perguntei ao Antônio.
– O Roberto diz que sua casquinha de siri é, na verdade, de arraia. Eu duvido. Sei que é de siri.
– Claro que sim! Quem traz é o Leo, o mesmo fornecedor das ostras. Por favor, traz uma embalagem congelada – pediu ao garçom.
Eu não precisava disso para saber. Mas foi bom ver a carne desfiada, branquinha, e logo pedi uma casquinha.
– Se for siri mesmo tem que ter vestígios de casca. É impossível tirar tudo – desafiou o Roberto, emendando. – Aproveita e come hoje. Vai ver que é arraia. Não vai ter pedacinho de casca. Ah ah ah ah ah.
De fato, se é siri, deve haver alguns pedacinhos remanescentes da limpeza, porque realmente é impossível tirar tudo. Até acho que contribuiu na textura…
E, também como já sabia, notei pedacinhos de casca.
Na sexta seguinte, almoçando comigo, finalmente ele acreditou.
Mas, eu já sabia.
Rabisco essas linhas porque estou a caminho de lá.
Vou começar com as ostras. Brincar com bolinhos de bacalhau lambuzados com azeite e pimenta. Pedir uma casquinha, ou duas, porque é pequena e leve. Depois vou pedir farofa apimentada e pirarucu.
Na taça teremos um Compromisso, Vinho Verde da Quinta da Lixa que virou meu xodó.
Talvez passeie pelo bufê, fisgando uns crustáceos e moluscos de uma dourada paella. Mais azeite e pimenta. E uma boa golada neste suculento exemplar de Loureiro. O polvo, claro, está no roteiro. Com alho frito, azeite e pimenta, do jeito que gosto.
Será que peço mais umas ostras, para comer com jamón espanhol Josep Llorens, como me ensinou a fazer o chef Demian Montecer há uma semana?
Ainda não sei…
Só sei que ostra, bolinho, casquinha e espetada de pirarucu sustentável com tempero lecemente picante e servido com pimentão vermelho e cebola, assados com ele, isso, com certeza, vai ter. Para começar. Com Vinho Verde.
Porque tem rituais que gosto de repetir. E, na Palace, eu sempre preparo a boca para as carnes assim. Saboreando o mar, os igarapés amazônicos e essa mistura da tradução luso-brasileira que caracteriza a Palace.
Um excelente domingo a todos.