Hoje é Dia de São Pedro, o padroeiro dos pescadores. E me fez lembrar de algo que um tanto me incomoda. A carência de lugares dedicados aos peixes e frutos do mar no Rio. E o Escama chegou com tudo, suprindo, com louvor, esta carência.
Temos excelentes japoneses (como Haru, Mitsubá, Naga, Mee e Azumi, meu quinteto preferido), que tratam muito bem os pescados, bem como italianos (Satyricon e Casa do Sardo, esse dueto magnífico da cozinha mediterrânea), que fazem muito bem peixes e frutos do mar. Podemos lembrar de portugueses, os reis no preparo do polvo, os mestres da sardinha, e alguns lugares que servem iguarias marinhas, mas cuja especialidade não é exatamente essa – são pratos que fazem parte do menu (nesta seara citaria o Gajos d’Ouro, impecável; e o Rancho Português, idem). Acho bárbaro o Venga Chiringuito, por exemplo, afinal, os espanhóis também são craques na arte de preparar pescados (e eles compram os seus peixes na colônia do Posto 6). Temos lugares com assinatura de grandes cozinheiros, como o Lasai e o Oteque, porque o Rafa Costa e Silva e o Alberto Landgraf preparam como poucos peixes, e são muito rigorosos na seleção de sua matéria-prima. Sem falar do Sult, cujas receitas com mariscos são de deixar a gente doido. E também do Pedro de Artagão, com seu quiosque Azur e o luso-carioca Boteco Rainha, dois portos seguros para se deliciar com peixes e frutos do mar.
Mas restaurante sem pátria definida, que carregam a assinatura de um cozinheiro, eu não consigo me lembrar de outro que não seja o Escama. Minha estreia na casa do Jardim Botânico do Ricardo Lapeyre, que é o único endereço – que consegui me recordar – dedicado ao tema marinho, foi de gala. Mas que almoço, senhoras e senhores… Mas que almoço.
A cozinha do Lapeyre me comove já faz tempo, desde que o conheci no Laguiole, em sua primeira passagem pelo restaurante do MAM, que infelizmente fechou durante a pandemia, quando havia mudado um pouco o conceito e agregado o Lab ao nome, uma pena, uma grande perda, pelo conjunto da obra (local, cozinha, serviço e carta de vinhos).
Mas bom foi ver o maître Lima, que também lá conheci, dando expediente no Escama, cuja equipe está muito boa, na cozinha e no salão, incluindo aí a musa da coquetelaria Laura Paravato, com seus deliciosos coquetéis (que mão certeira tem a moça).
O chef se sentou comigo à mesa, o que só tornou o almoço ainda melhor. Lapeyre está bem servido na retaguarda. Estava tenso, porque o Chico Buarque tinha reservado mesa para o jantar – mas quem não ficaria? (Ele jantou na mesa de degustação do chef, onde não é cobrada rolha, mas cujo preço inclui garrafa de Ruinart, esse champanhe maravilhoso, de boas-vindas – o chef é embaixador da marca no Brasil).
E porque lembrei hoje deste almoço há exatamente uma semana? Porque ali não tem produto de peixaria, mas de pescadores. Tudo impressionantemente fresco, bonito, quase vivo. No balcão do bar, algumas conservas do dia chamam a atenção logo à entrada. E o cardápio – que muda todo dia de acordo com redes, arpões e anzóis – é uma delícia do início ao fim (há alguns itens fixos, e outros mudam bem pouco).
No dia, eu postei que uma refeição ideal deveria começar com ostras frescas (e um bom espumante). Pois foi isso o que aconteceu, com o boas-vindas ao sabor do delicioso Lírica Cruz, que já foi tema de post aqui (neste link).
Com tempero lindo de limão galego da horta da fazendo em que o chef aluga uma casinha, e onde desenvolveu o menu do Escama.
Depois, um carpaccio de vieira (foto lá do alto e da capa do site), com molho cítrico de limão e azeite, com salicórnia e crocante de quinoa que é uma delícia, e eu comeria aquilo sozinho como se fosse pipoca (até lembra no sabor, mas muito melhor).
Ali já tínhamos em taça o Brumont LA Gascogne, belíssimo exemplar desta região francesa ainda pouco conhecida aqui.
Falando em vinho, a carta é feita pela grande sommelière, a muy querida Elaine Oliveira. Se tiver, peça o Picpoul, uva raríssima e que é fantástica para acompanhar pescados.
Ele acompanhou, ainda, o tartare de olhete com tempero asiático, e crocante de folha de arroz. Ô, coisa linda.
Agora precisamos falar dos molhos. Não conheço quem domine melhor esta arte no Rio, em se tratando de molhos tradicionais da escola francesa. O moules frites me deixou arrepiado, com seu molho de vinho branco e manteiga, além de cebola e alho, que lembra um creme de leite, só que BEM melhor. Com fritas perfeitas e aioli… Jesus… De virar a Cumbica goela adentro.
Então, pedimos um mix de pescados na brasa, com guarnições (com cavaquinha, polvo e robalo, que estava de chorar). Melhor nem descrever. Os molhos… O de espumante é um clássico do chef, imperdível. Se tiver, procure pelo molho de Riesling, loucura total.
Adorei o choron, quer não conhecia. Perfeitos para os pescados.
Peça o coleslaw brasileiro, com palmito, uma verdadeira delícia.
Então, veio um gyoza de cavaquinha, que já havioa provado no Laguiole. Espetacular, apenas, envolvido no molho cremoso e com o toque salgadinho das ovas de Mujol.
Nunca jamais deixe de pedir o queijo Geada, da Fazenda 50, na Serra da Mantiqueira (peça um com uma semana de maturação, se tiver). Um delírio de bom, cremoso, de sabor intenso mas ao mesmo tempo delicado.
Do mesmo modo, não deixe, nunca jamais, de pedir o flan parisien, uma espécie de pudim sobre massa de torta. Impecável. Se considerarmos que é um pudim, é o melhor que já comi.
No bar, encerrei com um drinque, cítrico e refrescante, com toque de amargor, do jeito que encomendei à Laura. Trata-se do NY Sour, com Bourbon, limão siciliano, açúcar e vinho tinto. Tudo o que eu queria para encerrar uma refeição de gala.
Saí de lá leve e emocionado com o almoço que já terminou no começo da noite. E já sonho em voltar.
SERVIÇO
Escama: Rua Visconde de Carandaí 5, Jardim Botânico. Tel.: 21-3042-3097. www.escamarestaurante.rio
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