Numa manhã fria e nebulosa de maio de 2012, no Castello di Ama, na Toscana, tomávamos café da manhã, eu e o Luiz Horta. Havíamos levantado um pouco mais cedo do que o nosso pequeno grande grupo de amantes do vinho e que fazia um roteiro da pesada, começando em Roma e terminando na Sicília.
Comíamos crostata de alguma fruta da estação, queijo, prosciutto, pão e algo mais que não me lembro, além de queijo fresco e algum outro mais maduro, manteiga e azeite, claro. Em primeiro lugar, agradeço por esses momentos vividos, e reconheço a sorte que é estar ali com este amigo que tanto admiro pelo talento em falar da vida, que ele demonstra a cada palavra que escreve, sobre vinhos, comidas, viagens e qualquer outro assunto, como eleições na França, política brasileira, lápis e caligrafia e mesmo chapéus ingleses. É especialista em temas como arte também.
Eu estava começando a rascunhar um texto, ainda no papel, sobre a relação entre comida e arte. Concordamos logo no ponto inicial: comida não é arte. É ofício. É trabalho, é repetição, é técnica, é muita coisa, o que já não é pouco. Mas, arte não é. Artesão, outras coisas… artista, não. Ainda que um chef possa através da comida expressar seus sentimentos, passar alguma mensagem, nos chocar, chamar a atenção, exprimir beleza. Fazer a gente se emocionar e até chorar… Sim, acontece comigo. Mas chef não é artista. Não faz arte.
Porém, penso que exista uma brecha nesta regra. Porque a estética da gastronomia, sim, eu acho que pode ser enquadrada como arte. Em termos de forma e conteúdo, como se fosse uma mistura de quadro com instalação, trabalhando formas, texturas, cores e apresentando algum conceito visual, trazendo elementos criativos, provocativos etc.
Isso daria um livro, e não quero cansar meus poucos leitores.
Para alcançar de fato status de arte, que possa ser exposta em um quadro, por exemplo, a fotografia é o elemento que vai transformar a comida em arte.
E das séries de arte contemporânea que eu mais gosto duas delas, principalmente, têm como tema a gastronomia.
A primeira delas, que conheci quando fiz uma pós em fotografia, são os quadros de Vik Muniz, como a famosa “Medusa Marinara (after Caravaggio)”, inspirada na pintura original do artista italiano. Feito com espaguete e molho de tomate.
Acho incrível, assim como outras obras dele na mesma linha, como os icônicos retratos de Jonh Lennon, em café (lá no alto), e de Che Guevara, em feijão preto; as suas versões dos clássicos de Da Vinci, “A Santa Ceia”, em chocolate,…
…e a “Double Mona Lisa (Peanut Butter and Jelly)”, feita com manteiga de amendoim e geleia; além de algumas outras reproduções de imagens famosas, entre retratos, afrescos e quadros.
Isso é muita arte. Demais.
O outro trabalho contemporâneo de fotografia “gastronômica” que acho mais do que sensacional é a série de imagens do genial Sergio Coimbra, maior fotógrafo de comida do Brasil, com o chinês Ai Weiwei, com o artista nu na xepa da feira (no estúdio, na verdade), com melancias, bananas e abacaxis. Uma coisa simplesmente fantástica.
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Bom, vamos à noite de quarta-feira (este jantar aconteceu em agosto, escrevi na semana seguinte e só consegui finalizar e publicar hoje).
Jantei no Cipriani, convidado por eles, com uma provocação.
– Bruno, na próxima semana o chef Nello vai para a Itália, e gostaríamos que viesse jantar conosco, para dizer se a cozinha sem ele trabalha no mesmo nível.
Era claramente uma espécie de piada com o chef, que estava no Mee na minha mesa, junto com os diretores de Comunicação e de Alimentos e Bebidas, que olharam para o chef em claro tom de brincadeira.
Eu gargalhei, e respondi.
– É sempre um prazer comer no Cipriani, e aposto que o jantar vai ser maravilhoso, como sempre. Até porque, conhecendo o chef como eu conheço, estou certo de que ele não iria para a Itália se não tivesse total confiança na sua equipe.
Então, eu tive como já esperava um jantar sublime, desses que ficam na memória, e cujos detalhes vou tentar colocar no papel em alguns dias, o que pode parecer fácil, mas não é. Escrever sobre um grande acontecimento, como para mim pode ser uma boa refeição, ainda que com comida bem simples, é um ato difícil, e me esforço para que pareça fácil.
Fiz um Stories para usar várias fotos daquela noite memorável.
Eis o menu:
O chef executivo do Copa, e responsável pela cozinha do Cipriani, Nello Cassese, está na Itália. Então, me convidaram para conferir o menu atual, inspirado no cozinha siciliana. Fica em cartaz até outubro, quando o tema passa a ser o Piemonte. Sei que este é um duro trabalho, uma missão difícil, mas alguém tem de cumpri-lo. Custa R$ 450.
Grazie mille!!!
Que notte speciale!
Aperitivo
Amuse Bouche
1) Ricciola (olhete) pizzaiola
2) Melanzana (berinjela) a la Norma com nastúrcio
3) Risoto, com hortelã, queijo Scarmorza, pesto “trapanese”
4) Botton com caprino pistache e king crab
5)Tonno affumicato (atum defumado), caviar e cous cous siciliano
6) Agnello (cordeiro) com amêndoas e lentilha ao vinho Marsala
7) Seleção de Queijos Italianos
8) Pistache com cítricos
Petit Fours
Gelato della Nonna (o melhor da vida!!!)
E aí: comida é arte?
FIM
* Publicado em 15/9/2021.