Eu cresci acreditando que a carbonara é uma massa vulgar, encontrada em qualquer restaurante ordinário, de preparo simples: frita uns cubinhos de bacon, faz um ovo mexido em cima disso, joga um macarrão, mistura um pouco de creme de leite e salpica um queijo ralado de quinta.
Mas na verdade não é bem assim, não. Ao contrário. Em vez de vulgar é notável, extraordinário e raro de se achar em sua mais pura versão original, que a rigor é a única que existe. Se não for assim, não é carbonara.
E por que falamos de carbonara hoje? Porque na terça passada, 6 de abril, foi comemorado o Dia da Carbonara. Tá um prato que merece uma homenagem mesmo. Escrevi assim na data: “Hoje é Dia da Carbonara. A massa das massas. O ícone romano. A tradução da Itália. A comunhão do porco (guanciale) com a galinha (ovo) e a ovelha (pecorino). E a pimenta-do-reino que eletrifica e perfuma tudo. Grazie.” Curioso notar que nos últimos anos o prato entrou na moda em todo o mundo, e seu processo de preparo e sua lista rigorosa de ingredientes virou assunto fácil nas mesas de quem aprecia a boa mesa, e consequentemente gera calorosas discussões.
Parece simples, mas não é. A simplicidade, se existe, é só na quantidade de ingredientes, que devem ser de alta qualidade. O processo de preparo tem detalhes que fazem a diferença.
É um desses poucos pratos que não permitem variações, adaptações, invencionices. Para ser uma “vera carbonara” o prato só pode ter seis ingredientes: a massa (penne, rigatoni e espaguete são as mais comuns), o queijo pecorino, o guanciale, os ovos, a pimenta-do-reino e sal. E só.
Vá lá… É dificílimo encontrar guanciale no Brasil, então vamos permitir o uso de pancetta ou bacon (não é ideal por ser defumado, ao contrário do guanciale, que é uma carne curada). Eu por aqui só conheço o guanciale da excelente charcutaria friburguense Porco Alado (21-97581-1313; página: https://www.facebook.com/CharcutariaPorcoAlado/), que faz o seu com bochecha de porco da raça Duroc. É indecentemente bom, como tudo o que fazem. (No Instagram deles @charcutariaporcoalado é possível ver os produtos e fazer pedidos)
O pecorino, convenhamos, não é lá muito fácil achar fora das grandes capitais e regiões produtoras, caso da Serra Gaúcha, de onde saem excelentes queijos do tipo, produzidos por empresas com a Casa da Ovelha, nos Caminhos de Pedra, em Bento Gonçalves, terra do vinho. Vale o esforço em conseguir um pedaço.
Se não se permite alterações nos ingredientes, no método de preparo, sim, porque o que importa é o resultado.
Mas eu faço assim (para quatro pessoas):
– 500 gramas de massa (cerca de 125g por pessoa) ITALIANA, per favore!
– 150 gramas de guanciale (ou pancetta)
– 100 gramas de pecorino (60 dias de maturação, de preferência)
– Pimenta-do-reino
– 6 ovos (três inteiros e três gemas)
– Sal grosso (para colocar na água do cozimento da massa)
Gosto de fazer com massas curtas e que sejam furadas, para guardar o molho. Uso preferencialmente penne e rigatoni, mas um bom espague (o mais tradicional) dá bom resultado – confesso que fiquei em dúvida, já não sei qual prefiro ah ah ah.
Enquanto a massas cozinha no ponto exato do ‘al dente’ eu frito os cubinhos de guanciale (com pimenta-do-reino, para soltar os aromas desta especiaria tão fundamental na vida da gente), até dourarem bem. Numa travessa de metal eu misturo o pecorino com os ovos. Então, derramo a massa escorrida grosseiramente (com um tantinho de água), bem quente, sobre essa mistura, e devolvo para a panela onde está o guanciale crocante. Mexo bem, em fogo bem baixo para não cozinhar os ovos, e finalizo com muita pimenta-do-reino. Tudo cozinha no calor remanescente da massa. Sirvo imediatamente, moendo um pouco mais de pimenta sobre cada prato. Nunca é demais ralar mais um pouco de um bom queijo, então – além daquela chuvinha de pecorino na finalização, eu ainda sirvo uma cumbuquinha com ele ralado à parte.
Tente fazer na medida exata para os seus convidados, é um prato que piora depois de frio e não esquenta muito bem. Mas verdade seja dita: eu como com alegria umas garfadas de carbonara frio um pouco depois. Ruim, nunca é. Mas fazer na hora de servir, neste caso, faz muita diferença. (Uma observação: dois dias depois deste post, fiz uma carbonara em casa para a família. Éramos seis, e achei que seria mais fácil usar o processador para ralar o queijo. Jamais faça isso. Ele fica em pequenos pedacinhos, que não vão derreter, então vai ser impossível alcançar o ponto exato da textura cremosa do molho. Rale, com delicadeza, naquela parte mais grossa).
Há variações. Tem que desligue o fogo e retorne com a massa à panela onde está o guanciale, finalizando ali o prato, adicionando o queijo e a pimenta – o ovo só entra no final do preparo (funciona bem esse método).
Mas e onde comer uma carbonara de excelência no Rio? Poucos lugares seguem a fórmula (até no grupo Fasano usam creme de leite! É bom? É, mas não é carbonara). Os melhores que comi no Rio foram feitos pelas mãos de dois cozinheiros italianos pelos quais eu tenho imensa admiração: Renato Ialenti, agora à frente do grupo Mamma Jamma; e Michele Petensi, que assumiu o lugar dele no Alloro al Miramar.
Já vi a versão do Nello Garaventa, e salivei – como tudo que esta fera na cozinha italiana prepara. Não está no menu, mas se souber pedir quem sabe ele não faz? Arruma um guanciale e dá para ele que eu garanto que ele faz.
Não me ocorre de recomendar outros.
Para beber eu fico com um bom Pinot Grigio, ou brancos do Lácio, região onde está Roma, mesmo que seja um simples e refrescante Frascati.
UMA RECEITA ORIGINAL (EM ITALIANO):
https://blog.giallozafferano.it/nocemoscata/la-carbonara/