A gente já vai entrando no clima ao percorrer a estradinha que vai aos poucos passando em localidades cada vez mais bucólicas. O clima típico de julho no Rio ajuda, com aquele sol que só aquece o necessário, e que deixa a temperatura na Região Serrana em condições ideais. Chegamos a uma porteira aberta. Entramos e paramos em um platô cercado pela montanha, onde uma casa simpática nos convida a entrar para passar a tarde nela. E que tarde.
Estamos no Sítio Gastronômico, em Secretário/Pedro do Rio, restaurante rural inaugurado em 2019 e que já estava de olho há tempos.
LEIA TAMBÉM: Domingo no Parque: uma tarde no Restaurante… lá – em Secretário, bucólico distrito de Petrópolis
Somos recebidos logo pelo casal Anna Dolezal e Lucca Medeiros – simpatizei de cara, com eles e com o lugar. (E, ainda mais no final da deliciosa tarde, quando a filha deles chegou, a pequena Helena, de um aninho, cheia de graça, para alegrar a despedida).
– A gente sempre viajou muito, para comer. A Ana estudou gastronomia, e então resolvemos apostar num restaurante, inicialmente para cobrir os custos do curso. Deu certo, cresceu, e até abrimos um novo espaço, o Do Sítio Bar e Bistrô, em Itaipava – conta Lucca.
Enquanto eles vão falando um pouco da casa, da ideia do restaurante, oferecem um Negroni trufado.
Aceitei, perguntando:
– Outro dia teve um festival de trufas aqui, vocês gostam do assunto mesmo, né?
– Sim, mas na verdade é também por conta do nosso barman, o Raphael Renaldin, que trabalha com importação e distribuição de produtos com trufas – explicou o anfitrião.
O coquetel foi excelente boas-vindas, e bebemos do lado de fora, curtindo o sol macio, enquanto conversávamos junto à horta, que fornece alguns temperos para a cozinha. Ana estudou no Le Cordon Bleu, em Botafogo, e para financiar o curso eles abriram as porteiras do sítio da família de Lucca para jantares intimistas, para poucos. Mas a coisa cresceu.
Assim nasceu o restaurante, que mantém esse clima de casa, com os anfitriões circulando – claro que nos dias de mais movimento, quando podem receber mais de 200 pessoas (a capacidade são 80 lugares), esse contato fica naturalmente menor. O restaurante só abre sexta, sábado e domingo e convém reservar (no WhatsApp 24-99926-5873 ou via Instagram @sitiogastronomico) – sobretudo nas férias e em feriados.
– Tem dias que chegam clientes sem reserva, e não conseguimos acomodar – diz Lucca.
Impossível não gostar de lá, pelo conjunto formado pelo local agradável, uma comida muito boa (e lindamente vistosa) e um serviço para lá de simpático. Tudo o que um restaurante precisa. Bons ingredientes, muito bem selecionados, preparados com boa técnica. O ponto das carnes, as guarnições, o enxuto menu certeiro.
Mas, vamos continuar seguindo a cronologia da tarde.
Sem qualquer pressa, sentamos no salão envidraçado, que um dia abrigou uma estribaria. O sítio é da família do Lucca, há muito tempo.
É uma sensação agradável a de estar ali, numa sexta-feira, com nobres companhias e anfitriões gentis e agradáveis, que sabem receber, logo vi.
Mas, de nada adiantaria tanta simpatia, se não fosse a comida, afinal o local é um restaurante. Gosto da proposta da casa: menu degustação, onde você escolhe os pratos, dentro de uma curta lista, com entrada, prato principal e sobremesa. Por R$ 188 (para ver o menu e a carta de bebidas, clique aqui).
Eu sentia que comeria bem, mesmo antes de me sentar à mesa, porque acompanho eles há algum tempo, e só de ver as fotos a gente consegue perceber bem a qualidade da comida, incluindo os ingredientes usados na cozinha. Os pratos exploram combinações certeiras, e são bonitos, com acabamento cuidadoso. Há delicadeza e inteligência ali, fácil de enxergar.
Para quem quer sugestões de bons lugares para comer nas montanhas do Rio, o Sítio Gastronômico é das mais certeiras dicas. Vai por mim.
– Nosso pão de queijo é feito com as sobras do que usamos no nosso prato de queijos – informou o Lucca. – Hoje temos Terreiro e Tulha, da Fazenda Atalaia, e o Lua Cheia, da Serra das Antas – completou, indicando dois produtores que são referência no assunto, reconhecidos e premiados: são queijos que eu já aprecio há um bom tempo.
Depois de provar o petisco fofinho, de massa ligeiramente elástica, tentei lembrar de um pão de queijo melhor, mas não consegui: comeria todos os dias, pela eternidade. Sabor e textura, ponto de cozimento, tudo muito correto.
O couvert é cobrado à parte (R$ 28), e foi servido com uma das opções de entrada, o bonito carpaccio de rosbife, com queijo boursin, aliche e alcaparras. Eu jamais dispensaria. (Há, ainda, mais dois petiscos, que podem ser pedidos independente do menu degustação: croquetes e bao de barriga de porco: o cardápio pode variar um pouco, mas mantém sua espinha dorsal).
Aqui já empunhávamos um belo espumante rosé brasileiro, o Faccin Apagão, um blend de Merlot, Chardonnay, Malvasia e Riesling Itálico, muito do agradável.
Logo deu para ver que os vinhos, como tudo ali (também vale a pena explorar os drinques, e tem cerveja local bem selecionada, a Odin), também são bem cuidados. Isso, desde a escolha dos rótulos, privilegiando os naturais, e as harmonizações sugeridos – missão que fica a cargo do Lucca.
Ficamos só com o couvert: então, logo que nos sentamos, na mesa havia ainda pão de fermentação natural, a manteiga do dia, que era de pistache com alho assado, e azeitonas pretas marinadas. Foi um belo começo. A tarde de sol estava para lá de agradável, e o ambiente contribui para um almoço agradável, com serviço cordial e eficiente, e com o andamento tranquilo que sugere um lugar bucólico, onde a pressa deve ser evitada.
Como éramos quatro à mesa, pudemos provar quase tudo, compartilhando os pratos. Na parte das entradas, eu queria pedir tudo mesmo: que tal o creme de cenoura com laranja, cebola caramelizada com Jerez e jus de porco? Ou crudo de atum com aioli de cebola queimada e amendoim? E uma massa fresca recheada de camarão, com molho de espumante e ovas de massago?
Para não ter dúvidas, fomos nos três, fora o rosbife já citado que acompanhou o couvert, nas entradas.
Na taça, mas um vinho brasileiro, deuma vinícola que eu conhecia, mas não o rótulo em questão: o Chardonnay da Amitié (já escrevi sobre esta cantina aqui neste link). Esse ano de 2020 é tido como histórico para a enologia brasileira, e este vinho é mais um bom exemplo disso. Entrosou-se muito bem com a rodada de entradas.
Na hora do prato principal, também fizemos uma seleção para compartir: pedimos bombom de baroa recheado com queijo de cabra e molho de cogumelos (poderíamos chamar de nhoque); o arroz de pato com salsa verde e queijo Tulha; o bife ancho Black Angus com arroz de cebola queimada e a costelinha de porco com purê de banana-da-terra, guanciale e castanha-de-caju.
Mais uma rodada que agradou, e muito. Ainda mais porque eu tinha sobre a mesa esse lindo Cabert Franc, um Chinon, denominação do Loire que eu muito aprecio, e que considero um coringa à mesa, pois é um vinho muito gastronômico, marcado pela boa acidez e o frescor, e as notas de frutas vermelhas, além de taninos redondos e bem presentes, e os aromas característicos da casta. E esse Les Athlètes du Vin 2019 é um belo representante disso. Com 12,5%, é muito glou glou, como se diz: fácil de beber e de gostar.
Resumindo: as carnes estavam no ponto certo, como se vê na foto acima, assim como a coxa de pato bem confitada, e finalizada de modo correto na salamandra, tostando a pele, assim como a costelinha, que se desfiava. Baroa, cogumelos e queijos de sabor marcante é sempre uma combinação certeira, e a massa estava bem boa, leve e bem cozida. O ponto dos arrozes, a cremosidade do purê também vale destacar. Tudo em sintonia.
A rigor, o prato de queijos estava na lista de entradas, mas deixamos para o final, como pre-desert, e como manda a tradição francesa. Falando nisso, eu definiria o menu como ítalo-francês, com muitas brasilidade. Uma cozinha com base clássica, que entrega o que promete, servindo pratos de perfil variado, em menu curto, mas muito bem construído.
Hora das sobremesas, e novamente fizemos uma degustação comunitária.
O choux de tiramisù junta essa massa que adoro com minha sobremesa preferida, servido com calda de café e recheio de mousse de chocolate amargo. Os morangos frescos com iogurte, merengue e extrato da fruta era uma combinação leve e refrescante. Já o quindim de maracujá servido com sorvete de coco queimado é uma boa maneira de explorar essas duas frutas, que assim funcionaram muito bem. Doces com pouco açúcar, como eu prefiro.
Fato é que eu falei, falei, falei, mas poderia resumir em uma frase esse post: o Sítio Gastronômico é um dos melhores programas gastronômicos do Rio de Janeiro.
As 16 fotos deste post também já falam por si, penso.
Como eu gosto de dizer: vai por mim! Enquanto eu não volto, porque vontade não falta.
SERVIÇO
Sítio Gastronômico: Estrada Francisco Guimarães, 1100, Pedro do Rio. Tel.: 24-99926-5873. Horário de funcionamento: sexta e sábado de 12h30 às 22h e domingo 12h30 às 18h. www.sitiogastronomico.com.br Instagram: @sitiogastronomico
LEIA TAMBÉM:
– Cama e Mesa: Casa Marambaia, em Petrópolis, um hotel fora de série com um restaurante ainda mais
– Cama e Mesa: Pousada da Alcobaça, um lugar para comer e dormir, e comer e dormir, e comer e dormir